19.1.08

desatino

Que loucura gigantesca eu ando sendo... Não podes sequer imaginar. Todos os dias a vagar por essas ruas, na busca incessante por aquela janela onde a vi uma vez, uma única vez, e jamais saiu de mim a dar-me espaços de consciência de mim mesmo sem si, aquele corpo, aquela voz forte e fugidia a um só tempo. Há meses persigo, há meses não sou eu, há meses sequer coisa nenhuma: sou só um vago, um vago entre nada e coisa alguma, na procura por aquela de quem sequer sei o nome.
Ouça, ouça aqui a nona sinfonia, e perceba que é aqui, é aqui que eu me perco, e ela nada. Ando a subir e a descer tantas ladeiras coloridas que a mim já não tem cor nenhuma. Invento assunto com os passantes, a dar ousadia às senhoras que passam num cortejo sabe Deus com quem, passei a tomar os desjejuns na tabacaria da Rua do Passo, na esperança desesperada de que talvez pudesse a ninfa por lá passar, quem sabe...
Desde aquela terça-feira inexplicável, em saindo do trabalho lendo-me os últimos papéis por assinar, aquele dia em que tropecei na pedra em falso e tive de abaixar-me por amarrar os sapatos. Foi no levantar-me desse gesto que vi, por uma janela do outro lado da rua, aquela bela a ler preguiçosamente na varanda. A trança volumosa caindo-lhe pelos ombros e o olhar compenetrado, tão sublime, que cautelosamente atravessei a rua, e fiquei embaixo daquela janela a fingir ler-me os papéis. Ouvia, então, a leitura baixa daquela moça, ouvia, ouvia sim os sons melodiosos das palavras sem entender palavra alguma, eram música: eram música...
As músicas, meu amigo, em meus ouvidos estão a deixar-me louco, fora de fuso, perdido, cego, sentido algum há ainda. E o trabalho e a família e os amigos, me perguntas, ora, que dúvida...! Nada eu vejo, nada eu sou, sou só essa espera, todos os dias, naquelas esquinas, naquelas portas.
E assim passaram semanas, e continuam a passar. Permaneço no meu banco, esquerdo do lado da praça Vinte e dois, moro numa casa de frente para o mar, vejo passarem as vagas todas as horas do dia, e nada, nada da princesa fugidia. Amigo, me faça um favor, não contes a ninguém onde moro, só a ela, se a ti vier perguntar.
Ouça, ouça a nona sinfonia, e depois me diga como fazer pra parar de vê-la, que já não posso fechar os olhos sem me morrer de agonia.

Do teu

Álvaro

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3 comentários:

Ramon de Alencar disse...

...
-Este ensinamento lento de sofrimento, A Espera, certamente é um dos nossos caminhos a serem trilhados...

Lindo Mar este teu...

bruno reis disse...

bonito. e digno do homenageado :)

www.jotelog.cl/jornalintimo disse...

muito bom