30.11.06

O piano e a flauta.

E, posto que era o último segredo, não sabia mais em que parte da casa escondê-lo.
Tinha usado a sala, o quarto, o banheiro - até a cozinha, cada menor canto ia ocupado, seguido de duas mãos de tinta, a sua e a sua outra.
As gavetas, armários, malas e caixas, tudo indevidamente empacotado, quase prestes a viajar. Só não sabia dizer o tamanho da viagem, mas o que devia ficar, estava; e o que devia ir, que fosse.
O que estava, estava em cada canto da casa, ela sabia ao toque do piano, deslizar de dedos, todos os dias à mesma hora. Tocava pra acompanhar o vizinho de cima, do qual sequer o nome adivinhava, mas era àquela mesma hora que estudava – supunha que ele estava a estudar, dados alguns deslizes que cometia. E adorava até esses deslizes.
O que estava, ela já nem sabia o tanto, mas guardava cuidadosa e indevidamente em cada pequeno seu esconderijo: devia evitar os grandes, que chamavam muita atenção. E porque não sabia guardar segredos por muito tempo, tinha que correr contra ele.
Contra o tempo, os rios e o vizinho de cima. Ele a desafiava? Às vezes parecia que sim. Mas ela tinha um piano e ele só tinha uma flauta, era uma flauta, não era? Uma transversa, por certo era. E ela seguia em todas escalas, um delírio e um deslize, acompanhava-lhe os erros e evitava todos os dias ver-lhe o rosto: porque o último segredo era o mais difícil de esconder.


Até que um dia ficou doida. Doidinha de pedra, não sabia mais tocar o piano, nem entender os deslizes, nem esconder os segredos. Desaprendeu a cor das tintas, perdeu a ordem dos cômodos, o incômodo de não saber já nem insistia.
E via o vizinho todos os dias.
Tinha esquecido do som, de onde vinha, quem era aquele, e qual era mesmo o último segredo?


E outro dia, ainda uma vez um intervalo bem demorado, um tanto quanto exasperado, ela ouvindo um som estranho, lembrou do tempo em que guardava.
Foi quando não entendeu mais nada e, assim num espasmo, perguntou ao espelho, se era ela que tinha o piano, se estava mesmo ganhando, porque foi que foi se perder.


-

29.11.06

de uma rapidez febril,

(ela delirando de febre no sonho, mas o sentido se fazendo, mesmo que febril):


E quando eu te disser que as imagens não são nada?

Ou talvez a cena seja tudo, já dizia Rubem Alves. E nos filmes fica repetindo aquela frase antiga, sempre renovada, vamos ver se nos lembramos:

“e se o mundo todo estiver errado, inclusive a gente, e a pessoa certa for exatamente você?”

.

28.11.06

um ontem.

não queria a perfeição, não. nem as respostas do mundo. nem o sorriso do mundo, nem o perdão merecido, nem o abraço esperado, o beijo guardado, o olhar olhando, o sentir sentindo e as coisas voltando.
na verdade não ia insistir, não ia pedir, não ia derrubar os poucos muros que havia, na proteção. mas alguém tinha dito que, ficando as bases, tudo volta. e seria?
não ia esperar, não ia dizer, não ia não nada.

e bem aí caiu o cometa. caiu bem no meio da praça, o mundo todo vendo, o vinho inteiro sendo, vieram respostas, sorrisos, abraços, olhares, o tudo no meio dum instante só, metido e perdido numa noite só, querendo se achar, mas não ia insistir, não.

e se perfeição existisse, não ia insistir nela: não queria imobilidade. que movessemos todos, fôssemos todos, exatamente como estávamos sendo - o mundo inteiro viu.

quando caiu o cometa, e as estrelas tremeram e as cartas nasceram e o nunca se fez sempre:
foi aí que não quis mais perfeição nenhuma.
porque sabia, sabia simples e preferia assim saber, sem tantas teorias, ah, sabia
sabia que o agora era daqueles pra guardar numa caixinha, sem prender.
o cometa das noites todas, acabado de cair, dizendo ainda outra vez: perfeição, não.

felicidade? já diziam os filmes, se diz soletrada, bem devagar, l-e-t-r-a-p-o-r-l-e-t-r-a.

27.11.06

solo de sax

(ô vida boa)

o sax cantando, eu pensando:
cansei das paralisias
e casei com o blues.




-

26.11.06

A procura (parte 1)

percebeu que faltava alguma coisa nas coisas.
Não sabia exatamente o nome a dar,
Que talvez fosse nome o que faltasse.
Faltou-se conceito, começo e meio
E não queria findar-se.
Entre a cruz e a espada, deu ao mundo a face ao dizer
Afinal, que posso dar-me?

Não sabia que dar ao mundo, mas que faltava uma coisa nas coisas,
Faltava.
Meteu-se no meio do mar, do céu, de si, das coisas
Procurando a faltante outra, o que era em si contrasenso
Procurar entre as coisas mesmas a ausência de alguma coisa,
Que bendita coisa seria não tinha idéia nenhuma.

Sem idéias, uma certeza somente:
Aquela da coisa ausente, nalgum lugar escondida
Esperando pelo momento de dizer “sou!”
Ou dizer quem sabe coisa nenhuma, ficar calada
Como ficara o tempo inteiro omitida
Escondida, a danada.

Percebeu que faltava algo quando andava no meio da rua
Nua sem vestido a rua, aquela mesma
Por que passava todos os dias, aquela rua ia ficando
Opaca, cinzenta, pequena
Menor, menorzinha, assim diminuindo o caminho
E ela todo dia pegando atalho:
Hoje, se falho, pego outro.
E assim ia.

Tudo diminuindo, que alguma coisa faltava, mas que diabo era.
Jogou-se dali ao mundo, buscar razão, achar raízes.
Um dia ia ter de voltar, trazer a coisa faltante ao centro da sua rua
Que outrora sem, hoje andaria vestida,
Nada nada escondida, porque ela teria trazido,
Nas mãos recente raízes, a faltante coisinha fugida.



(to be continued, ao som dum trip hop muuuuuuito bom.
reggae jazz trip hop, isso lá é nome de banda? pois ouçam, que... respeite,viu~



-

24.11.06

=+++

saído da minha cabecinha bem inha mesmo:
(pra alguém ali =) Outro jazz,
E dissemos um quase. Um quase e um monte de não. Era quase um ato de escrita, sagrado imune, um quase e um monte de não, ela ali e eu nela, sem dizer coisa nenhuma, só olhando.
Olhando porque era quase. Calado, porque era não.
Mas como era que eu ia dizer, quebrando a cena todinha, o silêncio envolvendo o vento, o vento voando as folhas, como era que eu ia dizer, meu Deus, se era só quase e eu não sabia até onde ia quase, quase até onde vai?
Alguém por favor me diga o que quase me quer dizer.
Porque estou a quedar-me louco, à espera de qualquer pouco, qualquer pouquinho que venha do agora, desse instante mesmo, ainda que quase, ainda que não.
E ela segura-me a mão, quase uma tortura. Não, não, tortura alguma, por favor não a deixe ir embora, ainda que seja quase.
E que me importa se quase e um monte de não, se pior seria talvez, e eu ainda tenho o quase. Olha! Estou em vantagem. Não estou?

Vou morrer de amor, seu padre, faça o favor de casar-me logo.
Flores? Oh sim, muitas flores, já dizia ela,

“só vou se tu flores”

É nesse quase que eu quase morro. E nesse monte de não, que começo tudo de novo.

21.11.06

Body and Soul;

Ao primeiro olhar, introduzem-se. Sem arestas, sem obstáculo algum, só o prenúncio ou mesmo a profecia do que viria em breve. Suave o primeiro som, macio e tímido, como a mão que puxa à primeira dança, primeiro tudo, segundo o querer dos dois.
Quando é de dizer “venha”, deixa por fazer-lhe a música, aquela que os embebia inteiros e, ah, de novo ia e vinha. Começava. O senhor maestro atendeu aos pedidos. Será que ela atenderia o seu?
No começo foi o solo, o pedido e o medo, até a décima nota. Seguindo, o saxofonista ajuda a empreitada de tal forma, que ela se derrete, se deixa, se leva, enlevada de todo, que magnífica dança. Os sons se sucedem como que em brincadeira, um ao outro puxando, enquanto ele a puxa pra si, sabendo que tomado por harmonia que não sua.
Quais resvalos de rios, encostas, curvas inúmeras, descrevendo tantos infinitos quanto se possa descrever, a melodia inteira vibrante nos braços, nos passos – neles.
Qual, senhor maestro, não ainda, mais uma vez!
Que solem, cada qual invente de solar várias várias várias, tantas quantas forem necessárias, pra que a noite não acabe, pra que não se pare, vamos, colaborem.

Intercalados os silêncios dos pássaros, os improvisos sensatos, o absurdo do mundo, só pra que dancem. Ao subir e descer de notas, pra que permaneçam, ou ainda que nem se conheçam... ao findar a música, troquem alguma coisa. Não viria ainda outra noite?
Impossível ignorar tudo isto. Como assim que isto?! Não seria assim tão insensível... Mulher mais doida, não aceitava nem uma rosa? E ele que estivera ali toda a noite convencido de que,

“convencido de quê, se pode saber?”
“ora, minha dama, da dança, de nada mais”

Ao começo de outra música, ele insiste, é o Bird, não me negue, já ouviu realmente essa? Dessa vez não espera que a música lhe peça, pede ele mesmo, pega-lhe a mão, ignorando até o silêncio talvez sido não, tem-na pra si.
Aos poucos convencendo-se, pensa que sabendo dela, ou de si, pobre tolo, é a ilusão da música. Preenche-se todo dela, de sons, não da dama, nem ela dele. E, ainda assim, cada vez que recomeça, lança um sorriso, que ela devolve.
Que será que queria dizer, não sabia. Apostava, como ali em todos os dias, todas as noites, todos os ritmos, embora preferisse aquele e só aquele, seu êxtase.
Terminada mais uma vez a jornada longa, de rios, de risos, de tudo e de talvez nada, ele pergunta, insistente,

“Aceita-me agora?”
“a si ou a rosa?”
“o que for de seu agrado...”, sorri pensando-se sedutor, ao que ela, séria, toma entre os dedos a rosa, retirando visivelmente um espinho na ponta da haste.

Percebe que ela pondera por alguns instantes o que fazer. Da rosa, do espinho, dele? Por fim, põe-lhe a rosa de volta nas mãos, vira-se e vai embora. Vai embora ao som do Bird, ainda, impiedosa ou talvez triste, que vai com o espinho, mas nada disse.
Ele, entre uma paixão incipiente e um orgulho de gente grande, apesar dos parcos anos, joga ao chão ao rosa, pensando secretamente naquela música outra, a flor e o espinho, mas que diferença: gosta é de jazz.

20.11.06

Odisséias.

"Fim. Início. Epígrafe, lápide.
Recomeço, recontínuo, restabelecido, revivido, remoído. Retorcido?
Atrevido, acefalia funcional, contraído, conhecido, a concisão.

Lúgubre, opaco, morto, estorvo, turvo, vulgo, vós.
Voz vivificante, ressonante, ativa, fonte,
Renascente, pós-vivente, re-ausente, decrescente, permanente em invasão.

Inverso, imerso na inércia de um vazio, perco-me em contínuas
não-continuações
na vã esperança de não mais me achar.

[As palavras são jazigo, fazei dela o que quiserdes. O que puderdes. Fazei melhor: o que não puderdes.]

Loucura tão impura de inocência já perdida?
Vês tu os versos tão da vida?
Esquece.
Faze os teus.

Caos, linearidade sobressalente, coisas sobrepusentes, pôr-do-sol ausente, [que da visão já não sente senão o mais breve cheiro.

Recomendo que vingues na Antártida perdida, que evites Zeus e não mexa com Perséfone. Não faça nada por Orfeu e, se quiseres, por Prometeu morra.
Ressuscita no outuno e inicia uma nova era de homens. Começa, assim, um soneto novo e não mais te procures em dicionários."



fazer que nem amigo meu, agora xp igualzim, pra ele ver e rir. (sorrir?) hehehe

@ Todos os direitos reservados.
=P
vou ver se juridicamente me divirto com essa historia =} hehehe

18.11.06

Casa da Lívia =)

"tic-tac
tic-tic, tac-tac:
ou como queira "




[leros e leros
traga branco o seu sorriso~]

17.11.06

haicai? quebrou =x

dislexia eu também
(ai! Dislexia nós) :
amém.

body and soul, em crônica :)

O Bandeira me dizia que os corpos se entendem; mas as almas, não. O Bird me diz que corpo e alma são a mesma coisa. E existe uma pessoa, pessoa minha e de dentro, que nega todas essas verdades e afirma todas mentiras, verdade é apenas aquela que ele repete: escreve como quem passa.

Passam também os corpos, passam também as almas? Iguaizinhas às paisagens, imitando os quadros, porque a alma mesma não passa de uma paisagem? Uma passagem. Uma passagem com eternices, mas não eterna. Um corpo com humanices, mas não humano. Ah, as humanices!

Que saudade de quem me disse. E não tinha sido eu mesma? Talvez. Num corpo outro. Alma outra? Mas são só passagens, senhor, paisagens de mim. Vou discordar, Bandeira amigo, por mais que eu seja estandarte: também se entendem as almas. E quando forem de si entendidas, não vai ser preciso nada, nem a literatura. E é justamente aí que ela vai sobrar: quando não for mais precisa.

As imprecisões quase sempre são mais bonitas. Delimitar é entender, mas perder uma parte do sentir, a parte em que o deixa livre. Compreende, senhor? Divago porque só sei assim, correr me estorva. Toda conceituação vai ser prisão do sentir. Toda perfeição vai ser a morte da vida. Pra que querer ser perfeito, se vai ser o final último, sem mais gradação nenhuma? Teremos morrido quando formos perfeitos, e não é um discurso de recalque.

Você acha? Não vou viajar, senhor, vou ouvir minha música. E ficar pensando se são bandeiras, se são asas, se são pessoas isso que eu vejo voando por aí. Mas, por favor, por favor, e por favor outra vez ainda, não me tire a minha música.

16.11.06

Carta nº tantos mil e outros zilhões;

Você viu o céu de ontem? Pergunto-me se foi só da minha janela. A minha janela, ainda assim, era grande o suficiente pra várias pessoas, mas não era festa. Ainda ontem eu lembrei da carta passada, tem tanto tempo, e não importa. Vejo você na beira do rio, como em quase todos os dias, que era onde você ia quando acabava a aula. Consertou a bicicleta? Quando fizermos 15, talvez não haja mais tempo. Ou vamos sempre ter?
Conheci uma pessoa incrível. E não vejo muito problema que tenha uns vinte ou trinta anos mais que eu, se costumo passar lá e ouvir aquele piano. Ela me emprestou uns livros, sabe? Mas não sei se terei tempo de ler. Descobri que gosto muito de piano. Você sempre gostou foi de gaita, não era? Tomara que você ainda toque. Por exemplo, numa noite como a de ontem, teria sido muito, mas muito bonito... Mesmo. E, sabe? Mamãe perguntou por você. Se está bem. Se tem dito algo, ou sei lá. Porque as suas roupas permanecem no armário, os seus brinquedos na estante, e você ainda aqui.
Nas férias você vem? A neve vai cair, quando você vier. Eu juro que não te bato, nem fico provocando ou dizendo as idiotices que sempre... dizia. A mamãe disse que eu cresci. Uns dez centímetros, talvez. Abusei dos vestidos azuis e vermelhos, quem diria. Mas ainda gosto de tranças, embora os meninos me digam criança, que me importa. Sinto sua falta sobretudo quando me perguntam de você, o que não quer dizer que não te lembre sempre, enfim, é só que o tempo às vezes muda de cor.
E fica cinza, sabe, o tempo.
A vida não é triste, não. Eu só queria era ter uma máquina, escrever datilografando, tão feia a minha letra. Sabe aquela mecha de cabelo, sua antiga, do tempo da vovó? Mamãe guarda. Teu cabelo louro e pouco, mas ela não chora mais. Acho que já entendeu que você cresceu também, e talvez mais que meus dez centímetros.
O mundo aí grita muito? A cidade crescendo é meio assustador. Os terrenos baldios que tinha aqui em volta, não tem mais, só prédios bem grandes, quase todos cinza, e pior quando têm aqueles azulejos ridículos, e a gente nem mora perto do mar. Ontem eu ganhei um troféu, não entendi bem por quê, mas fiquei feliz. Quero dizer, vim correndo mostrar em casa, mas acho que eles andam premiando qualquer coisa na minha sala, pra ver se ninguém põe mais pó de giz nos ventiladores. E não, dessa vez eu juro que não fui eu, mas foi mais engraçado que o de costume, você devia ter visto.
Acho que é primavera, e ontem eu quis mais música. O que será que você quer que eu conte, não sei. As professoras dizem que vou melhorando, mas também não sei até que ponto são sinceras, é difícil confiar em alguém quando muito maior ou menor que você. Aliás, em todo mundo. Eu confiava em você, acho, mesmo quando brigávamos.
Tem jazz por aí? Achei tão engraçado. Quando fui conhecer (nos últimos meses), me disseram que já era superado, chegou o rock. E te pergunto por que não pode ser os dois. Eu ouço os dois. E tomara que sua cidade não seja pequena o bastante pra não terem chegado ainda, ambos. Tão divertido, toda a música devia ser assim. Ah, estou cansando, você já não tem muita coisa pra ler?
Faça o favor de responder, mamãe pede notícias e não sei até quando terei vontade de mentir. Entendeu? Você pode até ser mais velho, mas quem ainda cuidando de tudo por aqui, acho mesmo, sou eu. Vamos, não seja tão ruim.
Pegue a gaita e toque outra vez, apareça, sim? Não nos esqueça, lembre todos os dias.

Sempre suas,
mamãe e eu.

15.11.06

[Prefácio]

Denuncio-me a mim mesma.
Sem verdades ou mentiras, cada frase e cada vírgula
De silêncio ou de meus gritos,
Minhas faces, minhas facas
Talvez por isso eu escreva.

Calo-me, a mim mesma.
A cada instante de ausência
Ilusões de onisciência
Espasmos de tanto encanto
Paixões nessas esquinas: eu, menina.

Eu, mulher.
Dançando, comigo; com eles.
Versejando, conversando, sem dizer
A gente bebe na mesa, a gente planta cervejas
E colhe livros pro amanhã.

Duvidei, por uns segundos, da não-necessidade de falar
Pra só no outro instante, ao cair dos dias e
(de novo) levantar das noites:
perceber que o muito que a mim me tenho
é do tanto que me converso.
E verso, inverso, reverso, transverso:
Converso.

Quando não souber me dizer, ficarei num canto bem canto
Cantando talvez calada, um Dylan, um Jack, uma das tantas
Não sei se vou ainda saber ser criança
Ou conversar como antes fazia.
Se me denuncio, se me falo, se me faço, se não nada.
E ainda acho que é nesse saber, ou nesse não estar sabendo,
Que me resguardo de toda mentira,
Que me disfarço de toda verdade.

14.11.06

bruno, me ajuda xp

(2ou3anos) - de um milhão de tentares,

bola azul
rolando
agora, mamãe!

aaaanda, brincar
correr
não-não, comer depois, depois
correr, bola agora mamãe...

quer não, não quer
quer a bola, agora
azul, branca não

bateu sim, mamãe! bateu!

minha bola, quer brincar agora
ele não: eu
minha bola

ai, mamãe, comer depois
depois a escola,
agora é a bola.

embora, mamãe."

13.11.06

nenhum aquário é maior do que o mar.

(lenine says,
uma certa prima da Jamile andou dizendo,

e às vezes ao morrer de raiva do estúpido do mundo
do repetido do mundo
repito a mesma coisa,
de novo, estupidamente.


12.11.06

um pré-pós-tudo-bossa-band de novo,

(tentativa)

a felicidade, que era minha,
nada clandestina, sem se saber:
tomando conta do que tinha e o que não tinha
preenchendo o de vazio e o de cheio
todos os dias caminhada do meu verbo
verbo alquebrado como os passos
quebrados passos de outrora,
que me quebraste a perna,
deixando-me memória.

e a felicidade de intermédio
sem conforto sem remédio
tempo todo sendo fato
ainda quando ausente
quando o tempo inteiro mentes
e ainda assim permanecendo
permanecido sigo
não é nada: só que gosto de vestidos,

visto-me toda inteira,
recoberta de duas músicas,
a do começo a do fim
amo o começo e o começo,
me ama a mim?
duas vezes amante,
duas vezes eu mesmo?
duas vezes começo:

os muros altos da cidade
fortaleza em nome e eco
ecoa, fortaleza, seja seja
prisão de mim
livre de mim
sou livre à praia, livre ao centro
livre ao vento, com meu vestido:

azul de tempo. e a felicidade, livre ainda?,
se enche de mim antes d´eu dela.
dedos contando quantos, quantos silêncios ainda faltam
pra cidade, de tão forte, permitir-me que me saia
voltando todos os dias,
com ou sem vestidos íntimos.


porque não posso ter encantos nas esquinas
se permaneço nas paredes de mim mesma;

9.11.06

ao som de "the build-up" (mil vezes Kings of convenience~)

A música invade o tanto exato que se deixa no segundo em que se abre aquela porta.
E se não se abre a porta ela vai entrar por todas as janelas, escorrendo, se dizendo, quebrando todas as métricas, se fazendo mais do silêncio que do dito, ficando o não-dito pelo dito, o quebrado pelo inteiro, o começo pelo meio – naquele verso.
O ritmo arquejante das palavras, uma a uma, gota a gota, faces da mesma roupa, lados do mesmo encanto, outro e outro tanto, aos versos quebrados vento, quebrados tempo, quebrados sendo, um a um, tantos, tantos.
Santos os versos. Dizendo mais do que ousavam dizer todas as seitas, os livros, os discos, a música que vai transbordante à voz nauseante de todo intérprete, o intérprete não era eu?
E vai deslizando os ouvidos, acariciando os espantos, deixando pasmas arestas, o sentido ecoando cada uma, por cada uma das frestas. A casa se iluminando, a porta se entreabrindo, e a música vindo, como água de represa, preencher o impreenchível.

Não pára nem pra dizer bom dia. Pra abrir a porta do elevador. Pra consolar dores de perda, de morte, de amor, mesmo quando são todas uma e a mesma coisa. Não sabe se chama prosa ou poesia, não se importa, não se liga: que lhe diga! Que se lhe diga o que vier, a Música, tão tanto mulher, olha a tudo sem incômodo.
Entra sem cerimônia.

Passo após passo. O vestido volteando às vezes pelas esquinas, o movimento, o verso repetindo, em cabeça entrando, decorando, sem querer.
Vai vindo, voltando, requebrando, arquejando na voz que seja, bonita. De preferência bonita, não escapa às esteticidades, a música.
Penetra.

Delírio em verso e tempo.
A toda e qualquer incoerência vamos agradecer, por não estarmos a ser pedras, e cantar ainda outra vez:
quer seja ontem, quer seja hoje. E amanhã, talvez.

7.11.06

pra Lívia :)

[E vivera de vazios. Fizera-se repleta de ilusões, sonhos e lugares. Buscara sensações entre seus medos, devaneios. Lutara por sombras, caíra por falsas flores. Doera de amores e da falta deles, sangrara tanto por tentar, que agora morria respirando] > isso é por decidir.

Disseram-lhe para seguir. Tentaram manobrá-la. Cansara de ser tola, cansara de ser nada. Cansara do seu Tudo, e até da madrugada. Desistira de todos e de si, era só uma louca a vagar. Vagar por suas músicas. Por seus versos. Por seu sangue.
O parque da cidade não tem de dizer muita coisa. As pessoas do mundo não têm que dizer muita coisa. Talvez nem ela tenha de dizer coisa alguma, mas tantas vezes se sentira na obrigação de fazê-lo, que virara hábito.
Andar por aquelas ruas e não ver nada, atravessar aquele barulho e não ouvir nada, esbarrar nas pessoas e não sentir nada: habituara-se a “tudo” isso. Já entendera que quase ninguém se vira quando você está realmente sozinho e nada tem a oferecer. Quem iria ajudar sem que houvesse algo em troca?
E ninguém pense que ela não viveu. Que não sentiu. Que não sorriu ou nunca teve. Teve e talvez até ainda tenha. Não é fria, é quase justamente o contrário. Sente, sim. Chorou, sorriu, teve, caiu. Viveu, vive. Freqüentemente ainda chora. E sorri todos os dias. Muitas coisas fazem isso. Sorriso de felicidade? Não exatamente.
E ainda não consegue parar de procurar as pessoas, mesmo que saiba que elas irão embora. Mas todos não começam a ir embora no instante em que se conhecem?
O trajeto do parque, apesar de não ser sempre o mesmo, é uma idéia estática. Acostumou-se a pensar naquilo como algo funcional: passeia com o cachorro, faz uma caminhada breve, breve o bastante pra não se cansar e longa o bastante pra espantar os maus pensares.
No dia anterior, tinham-lhe dito que bastava. Que bastava de dor, que ele se bastava, que ela se bastaria. Você vai seguir, meu amor, vai conseguir, e, apesar de tudo, estarei sempre a seu lado, sempre, ouviu? Sempre. Palavras engraçadas as dele, claro, claro que ele realmente pensava que ela acreditaria. Claro! Tão bom ele, devia mesmo ser bom o suficiente pra pular o mar, ir além do barco e aquém do mar, grande amar que era esse.
Sente as pálpebras caindo, mas não em lágrimas, sente só o peso das pálpebras, melhor seria dizer sente o peso do piscar, como se as imagens pesassem. Muda uma, duas, três vezes de imagem, as cores mudaram, apesar de serem as mesmas. Nada daquele clichê dos filmes e oh meu Deus, tudo mudou, é muito simples, até. Tratou apenas de sentir as cores. Um turbilhão de emoções, uma sobre a outra, tom e sobretom.

Divaga, devagar e depois correndo. Corre até sem entender. Por que é mesmo que começou o passo rápido? Demora a perceber e ri quando vê que é porque Dodger conseguira soltar a coleira e ia a pulos muitos na direção da fonte. Olha o relógio e vê que perdeu as horas. Ou teria achado? Bobagem.

Luna e seu fiel cão atravessam ruas. E ela? Ela atravessa a si mesma.

5.11.06

o grito.

O violino não toca sozinho. E, na sala, permanece intocado no armário, enquanto espera nada distraído o desenlace das cordas.
Está tenso, apesar de inerte; está sujo, muito embora tivesse o som limpo como poucos. E ali continua onde a menina o havia deixado, tanto tempo tinha que já andava mulher. Antes a menina e o violino; hoje a Izabel e o sozinho, a Izabel e o mocinho, mas ele, ele próprio já não lhe figurava entre os amigos. Permanecido, esquecido qual lembrança antiiiga, remota, talvez morta, até, e Izabel entra e sai da sua casa. Entre saias e vestidos, esquecera o seu amigo.
Ele, enquanto isso, relembra canções calado, colado à parede do armário, torcendo pelo dia em que ela o abra e ele lhe caia aos braços. Ele precisa falar, está preso de tantas frases no corpo, gritantes, quase ousa mesmo gritar. Não grita não porque não pode, mas por medo de a acordar.
Ela dorme.
Ele foge do silêncio torturante... Ela nem nota.
Até que, um dia, o sobrinho da Izabel-mulher brincando pela casa resolve abrir o armário. Tão extasiado o violino, salta aos braços sem saber de quem. O menino, assustado, corre de pronto.
E o violino, ao cair, quebrar-se as montes, ouve mal a mal o grito da outrora-menina, ouve mal porque se concentra, feliz, no canto que tanto queria.


cantou o seu som inteiro, no baque do chão
e desenlaçar das cordas.

2.11.06

Instante.

(tocando Love Ridden)


Era pouco mais que muito cedo, o sol ainda baixo e o mar bem calmo, quando ela acordou e viu, no canto esquerdo do espelho, o bilhete de todos os dias. Ele, sempre ao sair, deixava qualquer coisa de palavra ou de saudade num dos cantos do quarto. Ela, levantando, passava sempre uns tantos minutos procurando, entre divertida e curiosa, por mais que passasse o tempo. E passava.
O bilhete de hoje dizia, simples, “encontre encantos nas esquinas”. Pois agora dera a ser poeta, e ela ria. Dobrava os lençóis pra descobrir entre eles uns vestígios de palavras, uns pedaços de silêncios, arrumava a cama e depois se jogava. Fez um suco, tomou na varanda, leu uns livros de anteontem e esperou que o vento voltasse e, com ele, o seu encanto das esquinas, com o qual se encontrava todos os dias, bem na porta de casa.

Fiona Apple.

[poema nascido há poucos minutos, ainda na tentativa 1ª respiratória,
um agradecimento pelo imenso substrato ao Bruno, meu querido bolinho de arroz =]



"Preencheu-me o quanto pôde.
Depois se foi, absurda,
Aquela música.


Aquela música que não vai te contar
Dos meus degraus escondidos,
Quando vieres, saiba conta-los
E vou perguntar:
“sabes a senha?”
e, faça o favor:
saiba. "