5.11.06

o grito.

O violino não toca sozinho. E, na sala, permanece intocado no armário, enquanto espera nada distraído o desenlace das cordas.
Está tenso, apesar de inerte; está sujo, muito embora tivesse o som limpo como poucos. E ali continua onde a menina o havia deixado, tanto tempo tinha que já andava mulher. Antes a menina e o violino; hoje a Izabel e o sozinho, a Izabel e o mocinho, mas ele, ele próprio já não lhe figurava entre os amigos. Permanecido, esquecido qual lembrança antiiiga, remota, talvez morta, até, e Izabel entra e sai da sua casa. Entre saias e vestidos, esquecera o seu amigo.
Ele, enquanto isso, relembra canções calado, colado à parede do armário, torcendo pelo dia em que ela o abra e ele lhe caia aos braços. Ele precisa falar, está preso de tantas frases no corpo, gritantes, quase ousa mesmo gritar. Não grita não porque não pode, mas por medo de a acordar.
Ela dorme.
Ele foge do silêncio torturante... Ela nem nota.
Até que, um dia, o sobrinho da Izabel-mulher brincando pela casa resolve abrir o armário. Tão extasiado o violino, salta aos braços sem saber de quem. O menino, assustado, corre de pronto.
E o violino, ao cair, quebrar-se as montes, ouve mal a mal o grito da outrora-menina, ouve mal porque se concentra, feliz, no canto que tanto queria.


cantou o seu som inteiro, no baque do chão
e desenlaçar das cordas.

2 comentários:

bruno reis disse...

ah, já tinha dito que o texto tá muito bom. diria que seria um daqueles textos felizes que me encantariam se tivesse a sorte de lê-los no colégio. acho que tem uma atmosfera meio mágica, sutil, bem gostosa de ler. e isso do texto infantil é um elogio grande, viu? =)

o final é muito bom, mas acho que podia ser retrabalhado na disposição das frases; em vez de afirmar que ele se quebra logo, deixar para somente a última frase, mais poética, revelar o seu destino.

tipo assim:

''O menino, assustado, corre de pronto. E o violino, ouve mal a mal o grito da outrora-menina. Ouve mal porque se concentra, feliz, no canto que tanto queria, pois cantou como podia,

no baque do chão e desenlaçar de madeira. ''

mas claro que essa é só minha versão =p

Pedro Nakasu disse...

Oww, raukai, tá bom assim ^^. Gosto do jeito que ela começa os textos, especialmente esse. E a intensidade do "antiiiga" x) essa palavra me agarrou fundo e me jogou no fundo do baú iuahiaa
=)