22.3.19

Andei milhões de anos com esse desespero no peito, as frases tatuadas e impossíveis de dizer – não me deixaram. Quando eu disse, foi tão baixo, mas tão baixo, que nem eu pude escutar.

Acostumei com meus grafites internos, no colorido mais complicado que consegui arranjar. Fui e continuo sendo um complexo de arranjos desarrumados, uma agonia por trilhar caminhos de poder andar – mas quem é que pode? Andar no mar, meu amigo, é para poucos.

A doce ilusão de poder ir para todo lugar. Acalentei-me com o desejo da viagem, o riso louco da alegria, os passos-asas por aí. E fui, por muito tempo, um andarilho de lugar nenhum. Pisei por tantas terras que já nem sei nomear. Quero voltar, quero ficar. Quero ir, quero acolá – mas já nem quero.

Uma comédia de ontens e amanhãs, um monólogo compartilhado, um poema entrincheirado: eu sou e somos por aí.

Eu somos tantos, nós que sou eu, essa confusão nunca respondida, correspondida, que ainda desanda. Um desarranjo, um desespero, uma loucura.

Então é hora: voltar andar? Voltar voar?

Mais uma vez, andar no mar, cair nas ondas, nadar no ar.
No meio da tarde, pleno escritório, ela se pegou pensando quando foi que sua voz deixou de ser. Falava ainda, mas há quanto tempo não dizia, não criava, não gritava.

Contenções cotidianas de trabalho, de família, em ciclos sucessivos de talvez. Quem sabe um dia melhora, semana que vem começaria a mudar, no outro ano, primavera. Nunca mais virara flores.

Acostumara-se aos espinhos, ela que tanto era de girassóis. Que, aliás, não tem espinhos. Ou tem?

No fundo ainda era ela: os cadernos, as flores, o violão. Sorrindo, insistindo. E sobretudo perseguindo sem perceber os limites da chuva, das nuvens, de si.

No topo, ainda os mesmos fantasmas. Sonhos, delírios, verão e inverno.

No fundo, nunca mudara.

No raso, ninguém a conhece.

Quem é que afinal se conhece?

A tarde foi virando noite, ela foi virando ontem, e o antes virando amanhã.

Todos indo embora e ela estática, perplexa diante dela mesma.

Se gritasse bem alto e bem forte, será que ela de antes ouviria e viria lhe salvar?