22.3.19

No meio da tarde, pleno escritório, ela se pegou pensando quando foi que sua voz deixou de ser. Falava ainda, mas há quanto tempo não dizia, não criava, não gritava.

Contenções cotidianas de trabalho, de família, em ciclos sucessivos de talvez. Quem sabe um dia melhora, semana que vem começaria a mudar, no outro ano, primavera. Nunca mais virara flores.

Acostumara-se aos espinhos, ela que tanto era de girassóis. Que, aliás, não tem espinhos. Ou tem?

No fundo ainda era ela: os cadernos, as flores, o violão. Sorrindo, insistindo. E sobretudo perseguindo sem perceber os limites da chuva, das nuvens, de si.

No topo, ainda os mesmos fantasmas. Sonhos, delírios, verão e inverno.

No fundo, nunca mudara.

No raso, ninguém a conhece.

Quem é que afinal se conhece?

A tarde foi virando noite, ela foi virando ontem, e o antes virando amanhã.

Todos indo embora e ela estática, perplexa diante dela mesma.

Se gritasse bem alto e bem forte, será que ela de antes ouviria e viria lhe salvar?

Nenhum comentário: