22.1.07

5 anos e 4 meses #)

(sem pretensões literárias)


E foi assim:

ao calar dos primeiros minutos, em verdade dizendo tudo que se podia dizer, foi chegar em casa pra perceber que a sua casa seria onde fosse aquele sorriso, aquele sorriso que esperara tanto tempo. chamassem epifania, ela chamaria ainda assim outro nome... chamaria sofia. chamaria aquele início que já nem era um começo, esse começo que já nem é um início. não tem verso, não tem filme, não tem personagem que entenda ou Máquina existente que suponha o amor inteiro que ela é. ou somos. ou seremos. já sendo.

minha irmã.

não tenho conseguido escrever por vários motivos. um é o tempo. dois é que pela primeira vez na vida realmente fogem TODAS as palavras, eu só sei sentir. já diria cazuza, "eu só sei insistir", eu nem isso. só sei sentir.
e, quer saber, se tristeza não tem fim (e o poeta estiver certo, porque tenho sérias dúvidas), felicidade tem menos ainda~


ps: menos ainda. #)

12.1.07

O vestido vermelho [parte 2]

(só um trecho)
.
Capítulo 2.

Ainda menina pouca, talvez uns meses de vida, tinha lá percebido o mundo que nem o mundo a percebia. Um grito, um início, um turbilhão de sentires, e misturados aos cheiros as superfícies, foi assim toda a meninice da moça que aqui contamos.
Tão logo nascia a menina, a mãe tinha ido embora. O pai dizia que morta, a menina pensava que nada, que qualquer dia voltava, alguma coisa do gênero, que o pai futuramente lhe ensinaria a ler e era nos livros que ela veria o que queria que houvesse. O problema era que o havido só inventava de ser quando queria, e o querer da menina (ainda quando já moça) jamais batia com o querer do havido, com os livros de estória, ou com as memórias que ela tinha de si mesma noutra vida: a vida que queria ter.
Pois bem: morta ou desaparecida, da mãe ficava apenas uma saudade, causo que virá em seu devido tempo, quando mais tarde crescer - e contemos no adiante. Cresceu sem mãe a menina, mas quando contava os seus meses, ainda uns três ou quatro, não pensava tão profundamente, que o mais que fazia era grito e choro por algum algo. Chorava de fome, chorava de sede, chorava por colo, e o pai sempre ali. Lembrava daquele tempo como um bloco de memórias não esparsas, até muito pelo contrário, memórias bem sólidas, as sensações nítidas, como se ela inteira fosse um imenso ser uno e indivisível. E não era? Era, era. Mas é que com o passar dos anos foi percebendo que o seu sentir tinha várias qualidades, várias áreas, tantas formas de perceber, que apesar de ser ela inteira uma única, era como se fosse muitas. Da infância primeira lhe ficara essa sensação bem justamente, de ser o contrário do que era agora, porque sentia as coisas todas como se fossem todas na mesma hora.

~

8.1.07

Agora

(texto de antes)

.

Andando pela casa como quem perdeu o rumo. Mas se até ontem à noite podia jurar que tinha achado. E andando pela casa com uma garrafa na mão. De água, água o bastante pra afogar o que tivesse de sujo. e pensando que sujas são as mentiras, sujo é ter de mentir. E água o bastante pra, além de afogar, matar a sede inteira.

E o que era que faltava, qual era a última peça, que palavra saíra errada, que verso saiu do ponto, até a comida naquele lugar era outra. E o lugar não era uma cidade, não era um bar, não era qualquer construção imaginada, porque aquele lugar em que estava, estaria e queria tanto estar não tinha sido feito por mão humana alguma.

No entanto, ah meu juizinho, a mão alcança. E andando pela casa como quem quer muito chegar. E sempre encontra paredes, alguém chamando, a cabeça rodando, o sentir todo sendo agora e uma certeza ridícula de que é verdade. Pode bem não ser. E sabe: andando por tudo, ela sabe. Ela sabe que pra ela é.

A casa nunca termina - a água é que sim. E torna a encher os copos, porque nenhum aquário nunca é maior do que o mar. porque tenho medo quando chove, mas eu sei nadar. Porque eu acredito. porque estou olhando há anos e não acho outra resposta.

Não é bem só mudar de música. Também não é só ir embora. Ou seria? Se fosse, aprenderia. Mas enquanto não toma certeza, toma muita água e fica quieta.

Quieta? Andando muito pela casa.

E quando a casa acabar, vai tomar o mundo. Tomar com os pés que lhe deram, mas repetindo, todos os dias, aquele recém-poema

placa inútil e amarela:

“não pise na grama”

amarela

pela ausência de girassóis

inútil,

porque não tenho os pés no chão” (Fabio Rocha)

e se eu não achar palavra, inventarei uma nova. E se eu não achar mais nada, aí então é que não sei.

Qualquer coisa eu ando pela casa.

~

6.1.07

Fe-li-ci-da-de.

música: Todas elas juntas num só ser.


E o que eu vejo é a tua voz. Os teus olhos pequenos, escuros, escusados de toda a verdade que poderia haver em um minuto. E todos os minutos minuciosamente percebidos na ponta dos dedos e nas arestas dos sorrisos, arestas que vou aparar com todo cuidado, pegando tuas próprias mãos e dizendo apare. Espere, ainda é cedo, não vá ainda, vem comigo.
O vestido vermelho da saudade que em ti cairia tão bem. Nas tuas mãos pequenas as grandes verdades dos últimos tempos, revelando futuro presente e passado – nessa e em outras ordens - , nos teus olhos escuros os segredos inteiros do mundo.
Conta-me, aos domingos, qual a música vais querer ouvir. E quando eu não souber cantar, vou pedir que me cantes, que quando cantares, tudo há de vir outra e outra e outra vez. então saberei de tudo.
E quem quereria saber de tudo, a teu lado?
Deixa eu te dizer, amor inteiro, que não fui eu que escrevi esse vestido, foi ele que me escreveu. Desenhou-me cada traço em teus espaços, teus silêncios e destino. Um desatino só, essa voz que me perturba e me acalma, tão assim na mesma hora que nem sei dizer o quê.
O que é que em ti me mata, o que é que em ti me eleva. Toda a poesia que podia haver num só segundo,
O samba completamente revelado,
Entre uma e outra verdade repetida

Tão repleta em ti, confesso, a minha vida.

~

Ana Cristina César, a um samba.

DUAS ANTIGAS

I

Vamos fazer uma coisa:
escreva cartas doces e azedas
Abre a boca, deusa
Aquela solenidade destransando leve
Linhas cruzando: as mulheres gostam
de provocação
Saboreando o privilégio
seu livro solta as folhas
Aí então ela percebeu que seu olho corria
veloz pelo museu e só parava em três,
desprezando como uma ignorante os outros
grandes. E ficou feliz e muito certa com a
volúpia da sua ignorância. Só e sempre procura
essas frases soltas no seu livro que conta história
que não pode ser contada.
Só tem caprichos
É mais e mais diária–
e não se perde no meio de tanta e tamanha
companhia. "



em A teus pés, Ana C. César.

~

4.1.07

O vestido vermelho.

música: Sidney Bechet.

[diga-se: conto escrito há bem vários tempos. aliás quando foi mesmo? xp preciso continuar.
e paciência, haja paciência. =] é pq é grande =x se duvidar é uma novela, mas sei lá também.
nessa vida tudo é uma novela, ó. com o perdão da piadinha~


"Capítulo 1.


Inscrição em xilogravura, cor de céu de estanho, na porta da vigésima segunda casa:
“portas e janelas ficam sempre abertas: pra sorte entrar”

Pra quem olhasse de fora, talvez a vigésima segunda casa não trouxesse maior surpresa além de ser mesmo a vigésima segunda casa e conter uma inscrição acima da porta, qualidade essa até então inexistente às outras. Qualquer um que passasse quase sempre não notava sequer o que dizia, quanto mais o que continha a casa. Tempo é dinheiro, sempre diziam, e dinheiro seria o quê?, o engraçado é saber tanto e não saber mais que dizer.
E dentro da vigésima segunda casa, pra quem olhasse, havia uma moça. Não era princesa, não era dama, sequer donzela, não era um conjunto de sedutoras cores, não era o sonho dos rapazes, não era o sonho de si mesma que fazia aos doze anos, já tão longínquos: porque aquela moça sonhava dum jeito outro, sonhava com a ponta dos dedos.
Praquela moça, que se preferia dizer menina ainda - mais pelo desconforto de ter de mudar de palavra -, praquela moça, no entanto, mesmo as portas e janelas sempre abertas, a sorte só entrava ocasionalmente. E, curiosamente, pra fechar alguma das outras janelas, porque estava frio. No mais das vezes quem sem cerimônia se chegava era outra dona com s, tão altiva quanto a outra, mas não das mesmas cores: a saudade. Uma visita quase diária, ali pela porta da frente. Se a moça não estranhava as visitas? Ela preferia tê-las. Porque era na ponta dos dedos que entendia o mundo, não que fosse cega ou surda, mas era o toque o sentido aguçado. Poder-se-ia dizer que quase não sabia nada que escapasse aos dedos, e tocava, tocava sim e tocava inteiras aquelas visitas. A sorte, quando vinha; e a saudade, todos os dias.
Porque sentia muito, não de sentir-doer, mas sentia muito, devotava pouco tempo da vida às divagações, e o sentir preenchia o tempo, as lacunas, as ausências. E re-conhecia os lugares todos de suas memórias, seus espaços da casa, as janelas, as pessoas do mundo lá fora: só não podia sair. E não podia sair porque há muito seu pai, tendo percebido dela que era com os dedos que via o mundo, explicou-lhe que o mundo muito se ofenderia se disso tomasse tento. Apesar de não entender bem o motivo, pouco tempo depois o pai morria, não ficou tanto ainda pra perguntar, nem houve tempo de responder; tomou aquilo como verdade de catecismo e pronto e foi-se.
Aliás, ficou-se. Não saía, não.
E antes de sentir o gosto das comidas, era a pele das frutas e a rugosidade das sementes o que sentia, era aí seu prazer primeiro ao preparar refeições. Todos os dias isso, por mais que tudo aquilo já soubesse pelo hábito, por mais que inventasse sempre, pra não morrer de tédio. E não morria. Acordava sentindo ainda o macio dos lençóis, o sol no rosto, os próprios dedos no rosto, depois as mãos nos livros, e aí as mãos em tudo.
Sentia às vezes a presença insólita da solidão, que se fazia vir por um frio na espinha, subindo lá do mindinho do pé. Sabia disso só porque a solidão nunca se mostrava: mostrar-se era ser já companhia e negar-se a si mesma, e não, a solidão era sagaz. Vinha seguida do frio e se escondia sempre em lugares diversos – a moça nunca saberia. Apenas pressentir, deduzir, saber: vê-la, nunca. Permanecia incógnita a cor do vestido dessa outra.
Ah, sim, as cores dos vestidos, isso a moça bem notava. O da sorte era azul claro, e ela ria quando lia nos livros ser verde, “por referência à esperança ou ao trevo, papai?”, ela perguntava, mas ele não podia mais dizer. Era, o vestido da sorte era azul-claro. O da solidão a moça nem sabia nem queria saber, era a única dor que ela tinha, vezenquando.
A dor que às vezes tinha de se saber única, de não poder sair pro mundo e de que, mesmo que saísse, continuasse sendo única (e isso quer dizer sem mais ninguém) e sem poder sair pro mundo. Tudo isso talvez num estado de semi-consciência, e era então que tocava a si mesma. Conhecia seus segredos não melhor do que os segredos de todo o resto que tocava, mas era em si que mais sentia, por tocar e ser tocada, por se saber interna música quando se perdia aos próprios dedos. Jamais soube que pudesse ser errado o sorriso de presença dela mesma ou ainda o sorriso de prazer que coroava. Era esse o seu remédio, a sua janela aberta, pra quando vinha a solidão com seu insólito invisível vestido.
algum tempo ignorava, ou tentava ao menos, ignorar a solidão, e isso se dava talvez porque ela não vinha sempre mesmo. Quem vinha era a saudade. E qual a cor do vestido da saudade era a dúvida que agora a perturbava: não lembrava. Mesmo que viesse todos os dias, mesmo que visse e tocasse, assim que a saudade ia embora... Ela esquecia. De início pensou ser uma brincadeira triste da saudade, depois se convenceu de que a saudade vinha mesmo nua em pêlo, não tinha nada errado, afinal só ela via.
Convenceu-se de que via a saudade em estado nascente, todos os dias. Uma mulher alta e esbelta, entrando pela porta de sua casa, sem vestido, sem reticências. Então via assim a saudade, mesmo que não fosse, e aliás muito lhe agradava que justo aquela, a mais bonita, não trouxesse vestido nenhum. O único problema foi não ter mais tido coragem de tocá-la, depois desse alto convencimento. E, ironia ou não, tinha saudade de tocar a saudade.
Passou então algum tempo sem que viesse ninguém. Talvez viesse só a solidão, mas ela não sabia mais, permanecia absorta na idéia do vestido da saudade, pensando se ousaria fazer um. E por que afinal ela não tinha vindo mais era um segredo, e ninguém lhe revelaria. Talvez se tivesse sentido ofendida, por terem perdido a intimidade? Era uma possibilidade, mas ela não havia tido culpa, a súbita percepção daquela nudez lhe intimidara por completo.
E foi quando pensou que se fizesse um vestido pra saudade e não tivesse mais medo de tocá-la, quem sabe ela voltasse. Porque tinha um medo enorme de que não voltasse mais, era sua amiga mais freqüente, era a única que sabia seu nome, às outras não havia diferença.
Permanecia naquela casa caída, mas tão completamente sua, e permanecia nas dúvidas, se fazia ou não o vestido, e de quantas presenças a essa altura sua sala ia cheia. Tocava o silêncio tateando, primeiro o vento, depois as paredes, e não ia nada escuro, era só porque não escusava de usar os dedos mesmo quando era claro.
Pensava, “claro...”, claro que não haveria ninguém ali. A sorte era ocasional, a saudade tinha ido embora, e a solidão, que não se deixava jamais sentir, permanecia. E permaneceria, por quanto tempo ainda durasse a dúvida.
E duraria.

"






eu disse que era grande. mas é só o começo. adoro vestido vermelho, na música. só na música =}

3.1.07

Da leveza.

música: Disritmia.



Não haverá um equívoco em tudo isso?
O que será em verdade transparência
Se a matéria que vê, é opacidade?

Nesta manhã sou e não sou minha paisagem
Terra e claridade se confundem
E o que me vê
Não sabe de si mesmo a sua imagem.

E me sabendo quilha castigada de partidas
Não quis meu canto em leveza e brando
Mas para o vosso ouvido o verso breve
Persistirá cantando.
Leve, é o que diz a boca diminuta e douta.
(cantar e leveza, agora me diz se ela não me traduz)

Serão leves as límpidas paredes
Onde descansareis vosso caminho?
Terra, tua leveza em minha mão.
Um aroma te suspende e vens a mim
Numas manhãs à procura de águas.
E ainda revestida de vaidades, te sei.
Eu mesma, sendo argila escolhida
Revesti de sombra a minha verdade.
(bem verdade)


[Passeio, da Hilda]

Ao jazz.

.

Tem um cara cujo nome é Sidney Bechet. E o que esse homem faz com o jazz não está escrito: está tocado. Ele e Charlie Parker, aí lá vem as divas cantando, a Ella, a Bessie, a Sarah, todas elas. E até o Ray Charles. Mas eu não tava falando era do Sidney Bechet? =x

Olha, eu vou falar da resposta do universo. Tem algumas, aliás. Tem a Sofia, tem a risada do Alan, e tem essa música que é “blue horizon”, que ta no mesmo patamar de body and soul na minha vida.

Body and soul, repita comigo.

E Madeleine cante aqui: dan-ce-me-to-the-end-of-love.

Todos eles e um depois do outro, muito jazz na minha vida. e rezemos de novo:

Eu consisto, eu consisto, amém.

Um sorriso a Sidney Bechet =)

1.1.07

dizia a Hilda, digo eu

costuma doer quando não parece.

Hilda Hilst

. a ficção tá no livro. o livro que eu molhei na chuva. o livro que arrancou as páginas:
e não faz sentido - só não faz.
aquela música repetindo quando quer e o quando quer é muito: Nada vai mudar isso.
[mudou: eu sou neguinha]

falo com voz da Hilda:


Amavisse

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada."

adoro sempre esse poema, pra além de mim. pra além de agora, mesmo quando o agora é nunca.

e nunca vá pra uma serra pensando que não vai ter muito sol, muito amarelo e se pensando forte.
mas cante sempre hilda, cante cante bem muito.

eu pediria um recital, desse poema só e de vários outros, mas deixa que eu leio mesmo.
E te respiro inteiro.


~