12.1.07

O vestido vermelho [parte 2]

(só um trecho)
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Capítulo 2.

Ainda menina pouca, talvez uns meses de vida, tinha lá percebido o mundo que nem o mundo a percebia. Um grito, um início, um turbilhão de sentires, e misturados aos cheiros as superfícies, foi assim toda a meninice da moça que aqui contamos.
Tão logo nascia a menina, a mãe tinha ido embora. O pai dizia que morta, a menina pensava que nada, que qualquer dia voltava, alguma coisa do gênero, que o pai futuramente lhe ensinaria a ler e era nos livros que ela veria o que queria que houvesse. O problema era que o havido só inventava de ser quando queria, e o querer da menina (ainda quando já moça) jamais batia com o querer do havido, com os livros de estória, ou com as memórias que ela tinha de si mesma noutra vida: a vida que queria ter.
Pois bem: morta ou desaparecida, da mãe ficava apenas uma saudade, causo que virá em seu devido tempo, quando mais tarde crescer - e contemos no adiante. Cresceu sem mãe a menina, mas quando contava os seus meses, ainda uns três ou quatro, não pensava tão profundamente, que o mais que fazia era grito e choro por algum algo. Chorava de fome, chorava de sede, chorava por colo, e o pai sempre ali. Lembrava daquele tempo como um bloco de memórias não esparsas, até muito pelo contrário, memórias bem sólidas, as sensações nítidas, como se ela inteira fosse um imenso ser uno e indivisível. E não era? Era, era. Mas é que com o passar dos anos foi percebendo que o seu sentir tinha várias qualidades, várias áreas, tantas formas de perceber, que apesar de ser ela inteira uma única, era como se fosse muitas. Da infância primeira lhe ficara essa sensação bem justamente, de ser o contrário do que era agora, porque sentia as coisas todas como se fossem todas na mesma hora.

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4 comentários:

bruno reis disse...

uhmmm.

gostei de muita coisa, de muitas digressões, de muitas frases, mas acho que em alguns momentos c digrediu muito, poderia deixar um pouquinho implícito mesmo, sem precisar ser abordado. mas achei muito elegante e fluido como sempre :)

Anônimo disse...

Eu achei de uma beleza só. continue, continue...

Raiça Bomfim disse...

Tantos sonhos...

Renata disse...

Não entendi bem a coisa do 'havido'.
Engraçado, tem metáforas que nos acompanham a vida inteira né...seus vestidos, minhas anaguas =*

casa nova e pintada de branco: www.dumjeitotorto.blogspot.com