28.12.06

Declaração de fim de ano [2]

Escrevi num contrato que estava escrito que assim seria. E rasguei o contrato onde dizia que eu não poderia rasgá-lo – e nem foi de maldade. Porque mudaram as condições e, apesar de serem as mesmas, mudei por aqui, por dentro.
E nem importa se eu sou Fernando, Ana ou eu mesmo ou mesma. O contrato que dizia que interpretações eram permitidas acabou de acabar.
A dimensão do real é exatamente aquela do tempo em que ocorrem as coisas: o real é aquilo que existe. E não me venha perguntar o que existe, o que existe?
O que existe vai bem aqui. Você vê? Vejo eu.
Não é um tapa, é um sorriso. Esse é o real. Porque têm sido muito boas as coisas e admito sempre a possibilidade de melhorarem.
E por quê?

Porque o perfeito não me interessa. O imutável não me apetece. Sou aquela música da Gal que fala do amor da cabeça aos pés e prefiro escapar à da metamorfose ambulante, porque te ouvi cantando que os dias e as noites continuariam sendo.
E continuam.

Eis um agradecimento, daquelas paixões secretamente declaradas, um agradecer tácito, sem nomes, mas um sorriso imenso. A quem? A quem estiver sorrindo lendo isso sabendo que pra si.

Uma boa virada de ano pros sorrisos de todo mundo,
Ando mesmo prometendo um melhor ano. Sabem?

Guardados desde já os segredos,
Respeitados desde já as rescisões,

Estou, graças aos deuses, a morrer de amores.
Que dia bonito~



Ps: aos que ficam – até a volta o/
Aos que vamos: vamos mesmo, hein =)

Take what you need.

A cena é essa:

Uma mesa no meio da cidade. Uma cidade no meio de alguém. No meio do trânsito, um sorriso no escuro – e alguém que via. Que via o meio de tudo, que sentia o silêncio contido nas pontas dos dedos, os dedos passando vagarosamente pela mesa, sem tocar.
O toque que era assim tão esporádico, temendo tanto ter que voltar. E era exatamente pelo temer de voltar que ele ia, o toque, vezououtra mais uma vez daquele jeito como quem não quer nada, como quem diz “que nada, não pensa assim” e muda de idéia. E na verdade como alguém que queria dizer exatamente isso de “não pensa assim”, mas que precisava tocar pra saber como era.
A mesa no meio da cidade e no meio de um milhão de vontades.
Antigamente seu nome era outro, e lhe chamavam Fernando, ou tantos outros. E lhe diziam pra não confiar em ninguém com mais de trinta ternos. Ela teria trinta ternos?
Continuou repetindo, naquela mesa, que não se machucaria. Que teria o nome que ela quisesse dizer, porque estava mesmo a cidade no meio dele inteiro, e ele repetindo que sim.
Ele repetindo que não.

Então veio alguém a dizer, de leve, leve como ele quereria, citando sua banda preferida,
“take what you need”.

Foi o que fez. Tirou as coragens dos 29 ternos (ou seriam só 2?) e segurou aquela mão que desejava.

Sobre o mar.

.

Diria Carlos que o mar é grande e cabe. Ou o amor é grande e cabe. E ele tinha razão no que dizia? Pois não tivesse razão e só tivesse sentido, ainda assim eu citaria. E duas coisas veio o mar dizer, por meio dum barco e duma carta em garrafa (sempre quis uma carta de verdade numa garrafa, fictícias foram várias).
Beba, esvazie a garrafa e ache a carta. A primeira coisa que dizem as linhas é que o mar pode serenar, em verdade pode dar um jeito nos supostos exageros. (mas terá o céu mudado de idéia sobre o que gosta?) Pode brincar de primeiro plano e não olhar mais pras estrelas. O mar, esse que começa várias nomes, esse que começa vários vôos, esse que dá na beira da praia,
Esse mar que disse uma vez uma fada e o francês que, na verdade, é A mar. La mere. A mar. E a segunda coisa que o mar veio dizer por meio da carta é que é verdade. Gravadas as duas mensagens no fundo da garrafa, o mar que levava a carta era o mesmo que a redigia. Aliás redigia nada: citava, ao longo da música.
E que música, você me pergunta?
Aquela exata em que toca.

E tocar vai ser sempre um grande mistério sobre-humano mesmo,

O mar diz tenho dito e não sabe se disse nada: continua sendo onda e indo até à praia.

~

(hoje)

27.12.06

as respostas.

~.

Desejo nas folhas das árvores do meu íntimo. Do meu átimo. Do meu sempre. E é em segredo que eu guardo a verdade declarada, terá passado uma semana, um mês, um ano? É engano, meu amigo, não sei mais, e agora pronde vou. Lugar nenhum, querida, fique onde está, desejo súbito na ponta dos dedos.
Na boca dizendo agora. Nos lábios sorrindo um tanto, aquele encanto imenso, enquanto isso correm os rios, e você permanece enlouquecendo. A agradável loucura do agora, as farpas lançadas, convites implícitos, inícios de um tempo que você já nem nomeia. Mas você faria. Não faria?
Daria o nome. Faria a pergunta. Alias você faria tudo e faria nada, madrugada alta e dia nascendo. Você permanece no seu violão, aquele pensamento reticente, aquela mesma agonia agradável, como era que dizia o poeta? por um desespero agradável.

Você é essa imensa verdade. E vai se perguntar?
Meu nome é aquele que você quiser dizer.
.

meu amor partiu, cansou dos meus vícios. E meu nome qual é? Meu nome é o teu. Mesmo que amanhã ele volte, com ou sem feitiços outros, meu nome é aquele que você quiser dizer. Meu tempo é aquele em que seremos, pronto. Sem maiores, esse é meu nome. Quando o sol se esconde lá fora e as nuvens de água caem aos poucos, e a música que repete é a mesma que nos começa, eu digo que meu nome é o que você quiser dizer.
Sobre as levezas, sobre as promessas, e sobre os casamentos, o mundo pensa demais, sente de menos. E é assim que se perde. E é assim que se acaba. Quando eu disser que meu amor partiu, entenda aqui que estou citando um começo. Da música? Da música.
A música que agora repito e nela acho todos os mínimos detalhes.

Começou de novo.
Sobre intensidade e sobre música, vou de novo citar Lívia,

“estou caótica, estou cética, mas estou música”

vale saber, viu. Vale saber.

~

26.12.06

oração de fim de ano

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aos senhores do meu destino, se houver um caminho:


Me protejam das bifurcações. Das indecisões que eu só quero. E do querer, que me mantém querendo sempre, até quando não devia.
E sobre os dias corridos, e sobre as vontades dispersas, e sobre a indiscrição do mundo, guardem os segredos todos, e me contem quando é de seguir, preciso seguir. Vontade seguir, vontade ficar.
Pois fico ou vou, meu senhor? Aos senhores do meu destino, um desatino jogado no meio do mar: sou eu.
Sou eu pedindo. Sou eu querendo. Sou eu me sendo, sem saber nem pensar, só sinto. Sinto muito não saber as respostas, sinto mais só saber as perguntas. Mas vão me deixar perguntar?

Eu pergunto, meu senhor,

É aqui a minha casa?

Me perdi na floresta, e ano que vem pretendo voltar. Pra onde? Sei não. Só sinto.


~

(muito)

23.12.06

Ana Cristina César

* to love somebody, janis *


Aventura na Casa Atarracada

Movido contraditoriamente
por desejo e ironia
não disse mas soltou,
numa noite fria,
aparentemente desalmado;
- Te pego lá na esquina,
na palpitação da jugular,
com soro de verdade e meia,
bem na veia, e cimento armado
para o primeiro a andar.

Ao que ela teria contestado, não,
desconversado, na beira do andaime
ainda a descoberto: - Eu também,
preciso de alguém que só me ame.
Pura preguiça, não se movia nem um passo.
Bem se sabe que ali ela não presta.
E ficaram assim, por mais de hora, a tomar chá,
quase na borda,
olhos nos olhos, e quase testa a testa.


~

[Scissors Sisters]

.

E, no meio da música, seus sorrisos. Claro que era meio de música, óbvio, mas hoje era diverso: a luz era negra. E vazio andava longe de ser. Os amigos ali do lado, os seus movimentos continuados, as brincadeiras assim repetidas, o silêncio de não precisar repetir. E ainda assim repetia: amava muito.
Todos os dias conhecendo outras esquinas, permanecendo apaixonada pelas mesmas. E pelas outras. E por um sempre.
Que era no sempre que, sempre em diante, jogava seus malabares de fitas coloridas, seus cachos de únicas cores, seus amores de longa data. Pra sempre e sempre muito grata,
um até logo a meus queridos, volto logo depois do Natal =)


feliz natal, povo =D
dia feliz de “férias” recém-começadas: aceito, aceito convites~

e, no meio da música, a gente se descabela, chama todo mundo pro meio da roda, dança conjunto e grita, bem muito:

don´t feel like dancing! [ouçam essa música xp]

~

22.12.06

à madrugada.

.
Duas da manhã. Entram em casa com santos silêncios, os dois como se nada houvesse sido. Uma voz tropeça no degrau da porta, e outra vez o santo silêncio os impede de falar. Seguem os dois, as duas mãos juntas e certeza nenhuma.
O pouco que sabem, no entanto, é que o silêncio de dias um dia vai ser quebrado. Se quebra um ou quebra outro, não vão discutir, que já seria quebrá-lo. Era? Tropeça o segundo.

“quantos degraus tem nessa droga?”
“acha que alguém vai saber, digo, de tudo?”
“se você contar”
“por que eu contaria?”
“é justamente por não ter um porquê que não quero ter um, e agradeceria muitíssimo se você não fosse procurar”
“é que tenho medo do depois”
“ah, já achou um? Bem dizia que pra quê procurar. Vamos, já tá quase.”

Passam pela sala. Passam umas tantas redes, dadas as mãos, tentando fazer, em meio àquela confusão toda, um nós sólido. Tinham medo, mas ninguém precisava saber. Primos têm mesmo muitos segredos, quê que tem. Dessa vez não era só mais um tempo de férias, diziam sem dizer que era pra sempre, pelo menos até chegar nos quartos.
Até que chegam. Cada um no seu, ainda os santos silêncios. As mãos dadas cada uma no medo de dar-se de todo, sabendo que é hora chegada de dizer mais vezes: até. Não dizem; já que prometeram não quebrar o silêncio pra não se perderem depois, não vão quebrá-lo com o vil pretexto de separerem.

Separados, permanecem de mãos dadas, às duas, três, quatro e tantas horas das manhãs e das tardes. Por essas e aquelas férias. Escondidos nas árvores, na cozinha, subindo toda vez os degraus da madrugada.Guardando os santos silêncios, até que ninguém mais dissesse nada, continuam envoltos os dois na aura da santa madrugada, em nome das duas da manhã e das outras que viessem: pra sempre até que separados, sempre e outra vez, pela volta do dia nascente.

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21.12.06

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[música foda, dada pro dia, porque a cássia eller faz um eita nessa música, eu juro =]
“meu amor partiu, cansou dos meus vícios. E mesmo que amanhã ele volte com outro feitiço, hoje o meu amor partiu e nada vai, nada vai mudar isto (...) Nada vai mudar minha cama grudada em mim, nem meu rosto inchado de mágoa, o sol se escondeu lá fora atrás de uma nuvem de água. Na parede nossa estória, e no tempo a minha tela de cinema: nela ainda vejo nossa esgrima de língua, nossos raios, nossa antena - meu amor se expulsou de mim, cansou dos meus vícios e mesmo que amanhã ele volte com outro feitiço, hoje o meu amor partiu, e nada vai, nada vai mudar isto”
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Não é em absoluto que eu não queira ver-te. Apenas me reservo cada instante do meu próprio estar-me sendo. Percebes? Aqui no quarto, as coisas em volta, os livros ao chão, os silêncios das folhas, os gritos, as janelas. O telefone quando toca e me estorva, ainda quando espero que me chamem.
E é justo aí que me levanto e digo: Música! Porque haverá de ser sempre, eterna e inefável, a música dos teus ouvidos, a música dos meus deslizes, a música nossa de toda noite.
Talvez seja a literatura. Ou uns arremedos de, mas que preenchem tanta coisa que nem sei. E não, não é um desabafo: é outra música.
Que quando não souber de mais nada, vou procurar ainda uma outra.
Mas pergunto se acaso entendes que não, não é em absoluto que eu não queira. E tu jamais terá um nome, eu nunca serei título e pra quê essas bobagens, esses limites.

Existem, existem muitos segredos nessas e em todas as linhas do mundo. As linhas foram feitas não para revelarem, mas para suporem, simplesmente. Abstrações. E quando fores o maior entendimento, não vais precisar entender nada, só sentindo.
O sentido não é a razão oculta, o sentido é o próprio estar sentindo, não te parece óbvio? Não procures assim com afinco todo o sentido do mundo... Parece-me sempre que estaremos extenuados antes da metade da busca, porque afinal a busca é infinita, e andamos tanto que caímos tristes. Sentir é não procurar, acabei de ver.

E é, em vendo, que não posso sair-me agora. Necessito estar ainda, uns tantos meses ou anos ou sempres, no mesmo lugar de agora, fazendo meus mesmos eternos sinais.
Não vou pedir compreendas, vou te dizer leia isso. Isso não, não essa carta, mas o livro que te mando. Onde estarão não explicadas, mas sentidas todas as coisas que queres.

Um riso: aposto, vais levar três anos pra ler. Não por incapacidade, mas por medo, talvez.
E digo que vai tudo bem, o tempo anda mesmo por definir:

Não defina.

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ps: o Fernando cá de dentro continua exultando os dias felizes. mesmo em provas. tudo tão incrivelmente bonito, eu diria que nem a fada, né, fada? é A mar =)

20.12.06

A morte do tempo.

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Atirou a primeira vez, pra testar a coragem. Arma em punho, suor entre os dedos, acertou o vaso. Tinha provado que conseguiria. Apesar de ter mirado o canto da janela, acertar o vaso já era algo. E desde que entrara no quarto, eram três as coisas que via: o relógio logo à entrada, o vaso do lado da cama e, na cama, um homem.
Da segunda vez, mais seguro e mais tenso, porque afinal já acertara uma vez, ajeitou o silenciador recém-comprado, tinha medo de que falhasse. Segurou mais firme e chegou-se perto, bem perto do homem que dormia, incapaz de acreditar que ele não tinha acordado com o barulho do vaso estilhaçando duas vezes, o tiro seguido do chão.
Estaria morto? Talvez estivesse, mas agora era tarde. Morto ou não morto: e se estivesse, morreria de novo. Trêmulo, entre vivo e indeciso, mas perfeitamente convencido de que tinha de sair dali tendo feito o serviço inteiro, disparou o segundo tiro.
No ombro direito. Calculara mal o peso da arma, a proximidade do homem, pensou que o coração estaria à esquerda. E a arma, que tinha ido quase bem no primeiro disparo, nesse parecia querer fazer piada. Não era hora de piada, e ele se conformou pensando que pelo menos atingira o alvo. Torto, mas o alvo.
Continuaria. Suando ainda, esperava a reação do corpo. Passara já de homem para corpo. Estaria morto? Bobagem. O sangue empapando os lençóis, o suor escorrendo vivo. Vida era algo que não enchia aquela casa, mas tinha mais o que fazer do que ficar divagando.
Porque estava mesmo indo devagar. Maldição, tinha hora. Compromissos. Pois continuasse. Tiro três, conforme o combinado, agora mirasse direito. Tinham-lhe dito: “mão esquerda, não esqueça” e ficou-lhe tão surreal a idéia de ir matar alguém e desferir um tiro na mão esquerda, que quase não percebeu ali a aliança suja. Crime de amor, tinha graça, ele ali metido numa trama de ciúmes. Mas também, que diferença. Mirou: mão esquerda.
Desviou alguns centímetros para o lado, já prevendo o erro havido nos outros tiros, e, disparo feito, finalmente acertara onde queria. A mão estilhaçada por cima do travesseiro, sangue em volta do medo. Pensara que melhoraria com o tempo, mas a ânsia de vomitar só crescia com os ponteiros daquele maldito relógio que só tiquetaqueava. Não ajuda, só marcava. Marcava, matava, diabo de pensamentos.
O anel permanecera intacto. Azar, faltava ainda dois tiros, o combinado eram cinco. E o que até então era dúvida, virou certeza: tinha vindo matar um homem morto. Teria morrido antes de ele chegar, coisa de pouco tempo? teria talvez sido morto por aquele que o contratara? Estava pensando demais, pensando demais.
De repente o medo, estivera com um morto aquele tempo todo. Um morto que preenchia o tempo mais que ele, queria ir embora. Lembrou-se da avó morta, da mãe morta, dos amigos mortos, todos tão mortos quanto ele temia estar, naquele mesmo momento. E se quem tivesse matado o homem estivesse ali ainda, esperando que ele saísse, pra continuar o joguinho, a grandiosa brincadeira? Suor, suor entre os dedos.
Suor a camisa, sangue os lençóis. Temeu por si mesmo, e o silêncio dos tiros recém-atirados fez com que nascesse certeza de que havia alguém vigiando. Das cinco balas que tinha, três tinham ido a um morto, que burrice. Não cumpriria o combinado, afinal o morto já não estava, desde o começo, morto mesmo? Três balas perdidas, e quem perdera era ele.
Agora sabia tudo: o homem que o contratara era um maluco perfeito, e com toda a certeza devia estar naquela sala. Ou na cozinha. Ou na varanda, meu Deus, que casa enorme. E o sorriso com o qual o encarara, quando apertaram as mãos, ele dizendo “confio, confio nos seus serviços. Esteja também confiante quanto aos seus pagamentos”, claríssimo que era armadilha. Sabia, no momento do acerto, que aquele homem tinha plena capacidade de matar quem quer que quisesse, esconder todas as provas, e no outro dia estar sorrindo com um bando de mulheres numa quadra de tênis. Era rico, bonito e particularmente forte, por que contratar um fraco como ele? Por medo de ser preso? Burrice, que burrice, meu Deus...
Pensava nas duas balas restantes. E o pensamento batia nas paredes da casa, correndo com medo imenso, como será que teria morrido o morto na sua frente, aquele que pensara ter matado e agora tinha a certeza de que tinha sido uma grande farsa. O homem devia ter morrido de veneno, ou de asfixia ou de...
As marcas. As marcas no pescoço, claro, tinha sido estrangulado, como não tinha visto isso antes? Não, não estava fantasiando, tudo muito claro, o pescoço marcado, a morte na sua frente e talvez esperando nos lados, nos cantos dos quartos, tinha que correr. Corria.
A penumbra da casa não ajudava a memória a lembrar dos passos há pouco feitos, do caminho inverso, e ele segurava com força a arma pensando que precisaria daquelas balas.
Em última instância, uma era pro louco, a outra seria pra si, se precisasse. Não seria morto, desde pequeno sabia: não seria morto. Matava-se, mas ninguém a tocar-lhe o corpo, ninguém a ver-lhe morrer. Talvez por isso a profissão que escolhera, muito embora devesse dizer que aquele estava sendo seu primeiro trabalho completo. Completo?
Correu com as duas balas na mão, dentro da arma, até alcançar a porta. E quando afinal a mão já ia abrindo o destino da rua, ouviu um barulho às costas. Raciocinou ainda uma vez, iludido com a talvez capacidade de pensar friamente – não pensava. Tendo ouvido o ruído, esteve certo de que ou era o morto que não morrera ou era o assassino. Tão confuso e perdido, que esquecia ser ele o assassino contratado. Mão na maçaneta, um segundo só. E decidido a ninguém tocar-lhe o corpo, deu-se as duas balas de presente, as duas mais ou menos no centro do peito: morrer dignamente. Morreu com o pensamento de ter-se defendido e, no fim, o relógio continuava a marcar os segundos. E continuaria, e ele jamais perceberia que se tinha matado pelo peso dos ponteiros do relógio, naquela hora em que marcavam hora exata.

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Né não, bluebird?

...


O teu poema não vai rimar na primeira estrofe
Vou te privar dos refrãos
Talvez não tivesse nem verso
Mas havia de ter tua música.

E tua alegria guardada
Aqui exposta, escancarada
Que nem no sorriso
Tão bonito, tão tanto
Que agora mostras.

Seria mais simples que dizer te amo
E menos besta que dizer casemos
E bem maior que calar,
Que em si mesmo já tão grande.

Será um quadro de várias cores
Um brinquedo de criança
Uma noite virada
Uma chuva amanhecendo
Seremos nós e isso será tudo

E quando éramos antes
Sobre sermos agora
E seremos em futuro:
Tudo isso são detalhes

Detalhados estaremos conforme andarmos querendo
Os verso tudo do tamanho que quisermos
Os dias todos com os nomes que tu deres
As verdades vão ser desnecessárias
Tudo tão repleto de repletos

Ninguém vai ter que dizer nada
E, mesmo no silêncio, mil e uma portas:
O tempo será na hora em que formos
A casa infinita de nós

Seremos três, como disse a fada
E um eu doutro tempo
Um eu que já te havia
Todos os começos foram sempre começados
E cantados.


Ademais, quer saber da verdade do mundo?

Voar é estarmos exatamente aqui.


(e pronto)

18.12.06

Ao carnaval

(ps: a carta pra quase não mandar permanece ali embaixo, mandada, mas quase por qualquer coisa = )



O bom é que a vida não pare. O bom é que a vida não desça. Vindo o que vier, a vida dança, a vida cala, a vida grita. Estupidez achar que pare por um choro: a vida é um coro que não pára de pintar.
De cair, de rodar. É o menino que pisa na bola e se acaba de rir, é a moça que chora dos pulsos cortados sem se cortar. É o tempo que anda. E o que não anda, também. O pulsar só pulsa, o sentir só sente e, se não, se mente, mente-se, cabou.
Pensei, pensei num pente. E aí o dente e aí a morte. E aí a vida e aí o sábado. Prosados versos, prezados versos, versejados densos, e, se minto, tento esquecer do medo. Mas, segredo, não conte a ninguém, por ora vou bem, e o menino corre.

17.12.06

Carta por (quase) mandar:

Sabe de onde eu nasci, ms? Eu vou te dizer que eu nasci dum sorriso mesmo, há muito tempo, já nem sei quanto, e não saber não é incômodo: apetece-me apenas saber que nasci foi de um sorriso - e esses são todos os meus motivos.
E é por daí ter nascido que ele se fez imenso, incomensurável, de dentro e ao mesmo tempo ridiculamente expressado, ao ler carta tua. Nunca mais me cobrei sentido, e é onde as coisas mais têm feito: no sorriso.
Sempre sinto que o mundo inteiro por contar-te, compreende? Eu quase escrevi um conto, só pra dizer. Minha descoberta: não sei se dou pra poemas, eu ando contando o tempo inteiro. Pequenos, grandes, agora, antes, sempre. Ele me ajuda e é tão divertido ele me pedindo conselho, se pra mim ele é o próprio quase-Deus (lembra que eu não quero perfeição, não lembra? Perfeição, não).
E é o que vou fazer, isso é um conto, pra você. Vou salvar, vai ser mais uma das minhas cartas, e bem especificamente pra alguém. Não pela sede do literário, mas pela saudade guardada, e pelo sorriso nascido, tendo eu mesma nascido dele, há tanto tempo.
(sabe aquele teu testamento, também tem tempo, mas falavas de quintana e caio, falava de si, falava de nós, falava só, falava sentindo, aquela é a coroa do universo: do lado da risada do Alan – risos - , essas são as respostas do Universo) e não não tenha ciúmes,
essa carta vai estar engraçada, pequena, e vou estar sorrindo a mais não poder, porque é assim que sempre foi e é assim que tem sido. Que estejas sorrindo também, porque te quero tanto, tanto bem, não me leias mal, não, não me leias mal.
Mas essa frase é só assim que pode ser dita, do querer e do bem, e aliás finja que eu nem disse, uma vez que sabes.
E, posto que sabes (adoro esse “posto” concessivo), resolvi falar.

Tens estado, então, feliz? Me agrada imenso. E agradar não é pouco. Curioso que tua carta provavelmente chegou nos últimos dez minutos, e eu sorrio até disso: estamos sempre nos mesmos lugares, ms.
Eita, essa foi lá em Desatino do Norte e voltou (rindo de novo), sabe, ms, acho que essa febre hoje me deixa meio lesa. Mas não é invenção, ando bem mesmo. A questão é que ficar em casa com febre e acordar e ter uma carta é uma coisa bonita.
Pois foste ao mar? Mar é bom. Eu tenho ido às gaitas. E tenho ido aos encontros literários – gente, isso é tão divertido. Eu tenho estado nos mesmos lugares.
Eu tenho planejado a viagem, continuo escrevendo cartas e no exato momento quero chorar com a Norah cantando, porque me é absurda de linda essa discografia recém-adquirida, meu Deus, ela tem uma música pra Bessie Smith (!), ai mesmo.

“i´m going down the road to see Bessie, ohhh, to see her soon”
acho que eu viajo completamente e penso que ela canta pra mim. Mas pulemos isso? Nunca mais fiz palavras cruzadas. Nem ouvi Alanis, acredita? e deixe dizer que ainda sinto falta do meu Rubem. mas não é que doa não. Outro dia passei o dia no Jack, e, ah!, isso eu tenho que falar. Ele me doía, ms. Oh sim, Jack Johnson era dos que era pra evitar. E um belo dia, e isso merece ser contado depois, não doeu mais.
Sabe por que às vezes sinto mais falta de te escrever? Porque sempre senti que as coisas pra ti eram as melhores. Ia além da sede de dizer. Talvez fossem as mais sinceras (e não são mais?), mas eu sempre me perco em tanta palavra, petite, posso voltar ao meu começo?
É um sorriso.

O amor? Ah, o amor. Imitarei a Gal, ando recém re-viciada em Gal, “eu sou amor da cabeça aos pés”, e ouça a Norah cantando “crazy”. L´amour est toujours à moi. Sabe uma coisa que diz a Lívia, acho linda, olha esses versos:
“estou caótica, estou cética, mas estou música.” – é do meu poema preferido dela. É inteiro lindo, se quiser depois peço a ela pra ti (agora um sorriso de canto, se me permites).
Isso me é incrível: estou caótica, estou cética, mas estou música. Soa incrivelmente meus delírios diários, tudo acaba em música. Porque diz o Renato Russo que se apaixona todo dia e é sempre a pessoa errada. Quando foi que eu acreditei nisso? Eu tenho sorte ou azar demais, e só conheço pessoas certas. E o amor? Não acredito em ilusões, o mundo fala muito em ilusões, eu acredito em amar até que,

Até que os dias não sejam mais dias. Até que o silêncio se faça repleto daquela presença que não é mais duas, nem mesmo uma só: é só dele. Dele o amor, dele o sorriso, dele o universo refletido naquele tudo que se desdobra duma invenção a duas mãos, que incrível invenção, hum? E inteiro de pequenos segredos, declarados segredos, sinceros e inteiros, um amor que não olha em janelas, não precisa de espelhos nem de razões. Acredito em vencer o tráfego das ruas turbulentas, no não-ouvir o grito do triste, em pular as ilusões (mas e quando elas forem boas, por que não deixa-las ser, durante um tempo?)
Permanecem algumas perguntas, e sabe o que quero te contar, vejamos, quero que Lívia escreva um livro. Que o Alan vença no concurso, quero ajeitar o meu violão e continuar as composições, é só que sempre esqueço de comprar as cordas.

E vou querer não mandar essa carta agora, assim que li eu soube: não quero mandar agora. E ri, ao pensar que talvez seja pra que tu fiques esperando, mas não, eu não seria cruel assim, seria?

~

15.12.06

Carta IX.



E que seria se ninguém dissesse nada. Desenho as letras porque sinto de ve ras a música, também porque re-visito antigos quartos ou futuros fatos, sou eu. Quis dizer fica, mas que direito. Ademais, ouvi que. Não, nunca, medo algum, justamente aí uma injustiça, não ouviu? Sou eu.
Você não vê os próprios olhos ao dizer; os seus, vejo eu, nem reluto em dizer que não vejo neles pedido algum que não seja. Quer que fique e quer ficar. Não? Pois explique esses seus olhos.
E essa quase-lágrima.
Receio que, mesmo que pedisse, porque é tarde, eu não ficava mais. Não é disso, não é disso que queria falar, sinto que me perco por ruas que eu construí. Esquece, então, ouvir-me não deve ser o melhor.
Mas, antes que vá, faça-se um favor:
se procure em um espelho e veja seus olhos.

Não fui eu que me traí.



um até,
S.


~

14.12.06

Retrato de uma retratação

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Por que eu fiz por que fizeste por que fazem e fazemos e fazeis, ele fez – quem foi que disse ninguém soube, mas ficou se repetindo: por que eu fiz por que fizeste e fizemos?
Ele entrou no centro da arquibancada, mil gentes em volta, todo mundo a nada dizer, esperar que ele começasse. Talvez que se arrependesse, que dissesse Eu não sabia, não queria, vou voltar. Que chorasse, que doesse, que repisasse, se humilhasse, em vão caísse, qualquer coisa que acabasse com a vontade do mundo, aquele mundo, de dizer-lhe infame e vil. Criminoso, ignóbil, traidor. E por que mesmo havia sido?
Haviam dito que ele traíra, e por mais que “Não” dissesse, não era isso o que se queria ouvir. E desde os tempos mais remotos, até as crianças sabem que só se escuta o que se quer, não era assim sua mãe dizia, sua vó contava, seu avô brigava? Todos os dias. Em suas reminiscências, ele esquecia do tudo em volta. Ou seria vazio em volta. Esperava o mundo. E ele, tão vagabundo, cabeça baixa no meio da arquibancada.
A platéia ou o júri ou a Inquisição, cada qual com um par de mãos a levantar umas tabuletas brancas e vermelhas conforme achasse bom ou ruim o argumento, observando cada passo daquele homem outrora forte, agora sombra de si mesmo. Via que ele se mexia, mas mexia muito pouco, com medo do barulho, podiam mal interpretar, maldavam tudo mesmo, melhor era ficar inerte. Via que ele não sorria, mãos nos bolsos, olhos no chão, fazendo vezenquando uma menção de ir já falar. Abria a boca, mas não dizia.
Por que eu fiz por que fizeste, por quê.
“Porque o silêncio não vai responder e resolver é que não vai dizer coisa alguma”, ele pensa, mas com muito cuidado, podem ouvir. “As mãos não vão se tocar, o mundo vai haver, haver tudo no mundo”. Ouve uma mulher na platéia dizer ao homem do lado,
“você não vai ficar pra ver?”
Ele iria dar a resposta, explicar seus porquês. E fazer toda a força do mundo, e contar porque resolveu. Falar sobre o tempo e o vento, o querer e o ter, as escolhas, os cílios, as bolhas nos pés.
Entre dois desatinos, perdera a razão, a aventura e a sorte: sentia que se perdera nas folhas de um livro que alguém acabara de abandonar. Ou acabar. Talvez se tenha lido inverso, in verso ou não. Boa noite e boa sorte, tinham dito, e teriam mesmo querido dizer?
“Querido, olhe, ele vai dizer seus porquês.”
“E por que eu ouviria, mulher?!”
O mundo permanecia confabulando se inocentava, se mandava à morte, afinal aquele Fernando ali bem no centro havia cometido crime mui sério: abdicara de fazer sentido. E como assim alguém escusar-se coerência? E o mundo, como ficava? Nunca aceitável, conduta absurda, iria ao centro, iria ouvir. O mundo ia levantar as toscas tabuletinhas, brancas e vermelhinhas, dizendo sim ou não, morrendo de vontade de julgar. Vai morrer, após ter julgado? Se não julgar, morre, morre tudo, então corre o tempo, o povo vota.
E ele, ele olhava em volta e não sabia se dizia. Como não dissesse nada, de lá da platéia alta veio alto cavalheiro com um papel branco na mão. Falaram assim em voz baixa, tão baixa que platéia alguma ouvia.
Cabisbaixo como sempre, mas agora firme como poucos, segurou na mão esquerda a caneta, um grito contido ainda olhando os vazios nos olhos alheios: calhou por assinar um contrato, retrato de sua retratação,

“eu aceito, eu,

Fernando.”

Só não sabia é o que estavam lhe pedindo pra aceitar. Uma vez aceitado, passos contados, saía pelo fundo, esperando qualquer coisa que, sabia, não aconteceria.

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12.12.06

Primeira à margarida

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Se eu era girassol e tu eras margarida, por que não contaste logo, pra que todo o jardim fizesse o mesmo sentido? Conversa comigo e me conta qual é o dilema, digo-te estás a inventar problema, margarida, ah, querida, inventarmos charminho não.
Acaso não gostas de música? Pois então, repara nisso: é batendo palmas que a tensão começa. Não é quando tu choras. Olha o samba! Percebeste? O alegre é no triste, margarida, mas o feliz não é em ninguém.
Nem no samba nem no agora. Mas, margarida, só me conta, como tu queres que eu permaneça, se estás sempre de partida?
Ouve essa música, flor querida, e entenda que é nas palmas a minha maior agonia, quando tu começas o pranto, o desfolhar-se toda, e ainda digo:
Devias ter-me dito, já de começo, que eras tu margarida, o girassol sendo eu.
Irei sempre atrás do sol, se bem me entendes. Mas espera, eu era quem dizia que tu sempre de partida. Absurdos, margarida, viras a mesa!
Vais quebrar os pratos e a louça da sala, minha mãe não te perdoa, margarida, estás a perder o senso. Esqueceste que eu girassol? Que eu manhã toda?
Giro eu em torno do sol, margarida, mas tu giras em redor de mim.
Pois não? Ouve essa música, querida, e repara que é nas palmas.
O feliz não é em ninguém, um dia cansas de procurar. Talvez veja que em mim sabias, no meio do sol da tarde, e ainda digo que devias ter logo dito.
Ah não, margarida... volta, nas palmas.

11.12.06

A casa.

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Sangue escorrendo tempo. Preto, vermelho e vento, aquela casa era o próprio cheiro do antigo. De muito tempo antes do tempo, quando ainda era repleta, quando muitos nela moravam, e ainda não era assim tão escura.
Diziam que a escuridão tinha sido um presente que o próprio tempo havia tecido pra construção perdida . Esquecida no fim do quarteirão, por onde todos passavam evitando olhar de esguelha, mudando quiçá de calçada, apenas pra evitar. O preto e o vermelho repetido, escondidos nalgum canto, como que pra afastar qualquer visitante..
E, no entanto, nenhum visitante ousaria. O pretume vinha do escuro; o vermelho, das folhas caídas. Era sempre outono aquela casa, as folhas nunca ficavam.
Chamavam-na Viúva Negra, e nem podia ser o contrário. A casa encerrava em si uma porção de estórias, famílias diversas, viajantes intrusos, beberrões. Tanta gente antes, e agora nenhuma sombra. Ou talvez fossem sempre sombras.
O que agora se dizia, porém, é que vinha gente nova morar na casa. Ninguém acreditava, pois tinha bem década que alma nenhuma, viva ou morta, pisava naquele chão de folhas vermelhas. Pelo menos não que tivessem visto. E por tanto não terem visto, deu-se por isso mesmo: a casa era não-só inabitada, como por certo inabitável.
Quem tinha espalhado o boato, ninguém sabia. Só crescia o murmúrio de que, passados uns dias, apareceriam os infelizes. Estavam certos de que seriam infelizes. Mas talvez reformassem o mausoléu, devia ser um mausoléu cheio de ossos perdidos ,aquela casa. Talvez o pretume vermelho fosse embora, com nova gente. O bairro inteiro esperava, entre ansioso e indiferente, uma indiferença tão fingida quanto mórbida.
Passada a semana tensa, conforme a predição dos antigos e a crença dos mais novos, desceu na rua um caminhão de transportadora. Desceram ainda os móveis, os quadros velhos, grandiosos utensílios de madeira que ninguém entendeu pra quê. Observavam, cada qual de suas janelas, os homens fortes levarem tudo, silenciosos sempre, pela porta da frente. Depositaram a carga inteira, fecharam os portões todos e foram, caminho inverso, pela mesma rua em que desceram.
Os moradores do bairro, declaradamente intrigados com o fato de que tudo que saiu do caminhão de mudança (mas mudança de quem?) era incrivelmente velho, talvez tão velho quanto a casa. Esperaram, mais ansiosos ainda, os novos vizinhos que viriam, tinham de vir. Grosseria imensa essa de se fazer anunciar e deixar o povo esperando. Pois assim não fora? Até agora não se sabia quem tinha anunciado a chegada.
Fato é que mais naturalmente quanto antes correram os dias, apesar da espera toda. Falava-se disso ,calava daquilo, o assunto inteiro era a morbidez da casa, os móveis antigos, o pretume repetido, se acaso não cessaria. A estranhice das pessoas de hoje, por que não se mudavam logo, pra que tamanha tensão.
E assim foi um mês, dois, até três. Até que, tão misteriosamente quanto a notícia de que o casarão seria habitado, chegou então a outra, de que não haveria vizinho algum.
O povo todo ficou calado. Convencido de que era tudo boato, desde o começo. Só não sabiam quem pedira a mudança. Conviveram então com a nova crença de que, no fim, nada mudava mesmo. E voltaram a, calados que nem antes, conviver com aquelas sombras.

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10.12.06

a velha casa reiventada,

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Incontáveis vezes me apaguei em outra folha
recomecei, manhã seguinte, tinta nova
para passar, bem devagar, prova por prova
com medo, mas peito aberto à recém-escolha.

E o desistir não é senão parte do caminho,
é como tantos, tantos outros contratempos:
uns companheiros invocando sentimentos,
imenso "altruísmo" de deixar seguir sozinho.

Mas é como então dizia ao amigo de agora
é um apagar-se e escrever-se, todo dia.
cabe saber: os que ficam; os outros , embora.

Assim se segue, sem querer hipocrisia
lua que nasce dentro, sol a deitar lá fora
vai já recomeçar, viva, a tabacaria.

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outro jazz,

22 de setembro de 2006


Ouço passos e espero tanto, tanto, tanto seja ele. Mesmo que todos os dias não mais seja, talvez seja tudo mentira. Até pareço sentir o tremer das escadas, a batida da chave no armário, ele vindo assobiando a música última que ouvira na rua, como a dizer vou chegando, babe, esquente a cama, que ando com frio, com muito frio hoje à noite.
Ele diria sentir-se sozinho, ainda que não, ele não diria nada, iria escolher os vinis, sempre clássico, apesar das evoluções. Ele evoluía todos os dias pra algum ponto que eu nem sabia onde, era um jazz que me caía entre os dedos, e eu só permanecia porque já não ousava viver além de si, um ritmo que acabava sendo meu. Acabava sendo eu, entende? Eu juro que é o som dele correndo os dedos pelo corrimão, assim devagar, prenunciando, me angustiando, fazendo com que eu espere, ele adora o clímax.
Ele devia ter sido escritor. Devia ter aprendido aquilo que quis, ele merecia, mas não tinha o empenho de ir, precisava pressão. Aliás, ele precisava não ter ido embora. Mas ele não foi, não é mesmo? Está subindo as escadas. Guardando o casaco nalgum lugar (ou, antes, pra minha raiva, jogando no primeiro canto que vir). Sabe que acho que ele vai fazer isso pra sempre?
Nós brigamos, bem verdade, mas sempre brigamos, eu até diria fazer parte, se não achasse tudo isso desnecessário, o falar inteiro. Não já vai tudo dito? E, quando não digo, não vai expresso no ar, nas coisas, no cheiro dos aindas, na permanência dos sempres?, é tudo tão simples. Talvez você não acredite, mas é ele que vem vindo. E você não tem medo nenhum porque você é o meu querido diário, e não zombe de mim porque já sou velha.

(Babe, won´t you please come home? )

Eu juraria que ele acabou de cantar o primeiro verso, quando todo mundo diz termos recitado o último. Mas do que sabe o mundo, hum? O que eu sei do mundo é que ele esqueceu o próprio nome no mês passado, enquanto eu tirei umas férias de mim, apesar de se poder ver aqui pretensão. E eu lá ligo. O fato é que – fui só eu que ouvi? Babe won´t you please come home?, ele disse, ele disse, e eu vou agora descer as escadas, escadas que ele está subindo, veremo-nos nos degraus primeiros (ou últimos, pra quem desce), e vai ser assim bem simples, vou provar minha verdade antes que acabe a música.




23 de setembro de 2006.


Minha felicidade e certeza estão em dizer que o mundo todo vai errado, exatamente quando eu acordo e ele me canta, desafinado mas meu, e afinal quem estava certa era eu, ao descer as escadas. Estava lá, ele estava bem lá, e na boca, embora calado, a expectativa de dize-lo e disse mesmo, ao me ver, baixinho assim,
babe won´t you please come home?

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7.12.06

segundo instante.

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Achou as duas verdades em cima do banco.

Sem mais,

Teve medo de só saber naquele instante

o que jamais saberia pro resto da vida

todinha.

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5.12.06

de uma noite dessas.

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- Say jazz
E tudo estará explicado.
(silêncio)

-.Mas e quando eu não souber dizer?
-.Aí então vais inventar-me.
- Conforme queira?
- Contanto possas.
- E me duvidas?
(sorriso)

- Não é bem que te duvide, entende, é apenas que...
- Pois escuto.
- Apenas que... que não te sei.
- E quereria?
- Say jazz
(silêncio)

- ainda te pergunto como é que vai ser quando acordarmos
- e eu ainda te digo que tu perguntas demais
- acaso não te preocupas?
- Acaso quem sabe ame, que por ora me tem bastado.
(...)

- Lisonjeiro a mais não poder, mas permaneço sem saber o que... enfim, quando eu não souber dizer.
- Aí então diga nada, permaneça sem nada saber, aqui deitado em meu colo, não é bem ótimo?
- E tu com as ironias,
- Que ironias?
(silêncio)

- e lá vamos brigar de novo?
- Brigamos nunca, dizemos nunca, ficamos sempre é nisso de jazz
- Tão fácil de entender
- Quando alguém inventar de explicar
- queres então que te explique?
- Pensei fosse simples, tão claro eu era em pedir...
- Pois peça
- Me explica

(...)

- Say jazz....
- E tudo estará explicado
- Já andou aprendendo?
(sorriso)

Porque fomos blues ontem à noite, e acordamos sem nada saber.

- era como eu te dizia.
- E como é que dizias mesmo?

(...)

4.12.06

day is done.

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a porta fechada do quarto
o quarto trancado de aindas
o tempo aberto no livro
e vivo um livrar de correntes:

não sei se bem me entendes,
mas o que digo não é tanto.

é um repetir de sentires
um respirar de encanto.
que quando não souberes a porta,
tampouco os aindas do quarto,

me peça, que te devolvo.
e devolvo, num desatino

aquele meu eu escondido
fechado na porta do quarto,
ainda retido em silêncios
no grito que eu te guardava.


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3.12.06

[Posfácio]

(porque poemas estavam a fazer falta)



"O absurdo do meu silêncio
É que não toca todas contradições.
E não vivo no mundo todo, no mundo alheio, que toca o mundo,
Que toca o todo, que vence o vento, que diz razões.
Quando respiro e tento umas causas, quando me alugo e dizem que vendo, quando tenho vendas nos olhos e me acusam de respirar.
E mal me ouso, mal me tenho, mal me sendo, mal me quer, ó mundo todo?
O mundo mudo bem devagar... num suspiro de saudade,
Num arrepio de fé.

E há quem diga que dizer seja empáfia, orgulho ou loucura.
Falta mais absoluta do que fazer ou sentir, quando só sabemos ser.
E sentir.
Me preencho de adições e aditivas, controversas, concessivas
Alitero, desespero, canto no ritmo que me deram Deus
E o desenho das mãos.
A própria música do sonho alheio, quando me contam tudo, quando me roubam nada.
É acordar plena madrugada, mãos sangrando, ausências latentes,
Plenos de uma plenitude outra, já sem nome.
Seria pleno de mim, pleno de si, pleno de... sentir?

Num arrepio de fé, crendo em qualquer existência,
É no rabisco da incoerência
Que me faço.
No teu traço, em que li um outro qualquer,
Fingindo achar-te labirintos e meios,
Escrevi o próprio pósfacio, mas não vais ler.

Não vivo o viver todo-mundo. Não quero o sentir todos-sentem.
Se te ensinaram contrário, contraria o contrário ensinado:
Ou esquece inclusive o que eu disse, por ser mesmo o absurdo de mim –
Silencio sem ter-me acabado.

Acabou-me o respiro? O substrato, o sentido?
Quando fores dar-me a mão, atravessar a rua, dizer-me o não ao altar
Pronunciar-me as sagradas palavras
E ousares olhar-me nos olhos,
Só não me lembre nunca o meu nome."



ps: as aspas é só porque gosto de aspas mesmo~

30.11.06

O piano e a flauta.

E, posto que era o último segredo, não sabia mais em que parte da casa escondê-lo.
Tinha usado a sala, o quarto, o banheiro - até a cozinha, cada menor canto ia ocupado, seguido de duas mãos de tinta, a sua e a sua outra.
As gavetas, armários, malas e caixas, tudo indevidamente empacotado, quase prestes a viajar. Só não sabia dizer o tamanho da viagem, mas o que devia ficar, estava; e o que devia ir, que fosse.
O que estava, estava em cada canto da casa, ela sabia ao toque do piano, deslizar de dedos, todos os dias à mesma hora. Tocava pra acompanhar o vizinho de cima, do qual sequer o nome adivinhava, mas era àquela mesma hora que estudava – supunha que ele estava a estudar, dados alguns deslizes que cometia. E adorava até esses deslizes.
O que estava, ela já nem sabia o tanto, mas guardava cuidadosa e indevidamente em cada pequeno seu esconderijo: devia evitar os grandes, que chamavam muita atenção. E porque não sabia guardar segredos por muito tempo, tinha que correr contra ele.
Contra o tempo, os rios e o vizinho de cima. Ele a desafiava? Às vezes parecia que sim. Mas ela tinha um piano e ele só tinha uma flauta, era uma flauta, não era? Uma transversa, por certo era. E ela seguia em todas escalas, um delírio e um deslize, acompanhava-lhe os erros e evitava todos os dias ver-lhe o rosto: porque o último segredo era o mais difícil de esconder.


Até que um dia ficou doida. Doidinha de pedra, não sabia mais tocar o piano, nem entender os deslizes, nem esconder os segredos. Desaprendeu a cor das tintas, perdeu a ordem dos cômodos, o incômodo de não saber já nem insistia.
E via o vizinho todos os dias.
Tinha esquecido do som, de onde vinha, quem era aquele, e qual era mesmo o último segredo?


E outro dia, ainda uma vez um intervalo bem demorado, um tanto quanto exasperado, ela ouvindo um som estranho, lembrou do tempo em que guardava.
Foi quando não entendeu mais nada e, assim num espasmo, perguntou ao espelho, se era ela que tinha o piano, se estava mesmo ganhando, porque foi que foi se perder.


-

29.11.06

de uma rapidez febril,

(ela delirando de febre no sonho, mas o sentido se fazendo, mesmo que febril):


E quando eu te disser que as imagens não são nada?

Ou talvez a cena seja tudo, já dizia Rubem Alves. E nos filmes fica repetindo aquela frase antiga, sempre renovada, vamos ver se nos lembramos:

“e se o mundo todo estiver errado, inclusive a gente, e a pessoa certa for exatamente você?”

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28.11.06

um ontem.

não queria a perfeição, não. nem as respostas do mundo. nem o sorriso do mundo, nem o perdão merecido, nem o abraço esperado, o beijo guardado, o olhar olhando, o sentir sentindo e as coisas voltando.
na verdade não ia insistir, não ia pedir, não ia derrubar os poucos muros que havia, na proteção. mas alguém tinha dito que, ficando as bases, tudo volta. e seria?
não ia esperar, não ia dizer, não ia não nada.

e bem aí caiu o cometa. caiu bem no meio da praça, o mundo todo vendo, o vinho inteiro sendo, vieram respostas, sorrisos, abraços, olhares, o tudo no meio dum instante só, metido e perdido numa noite só, querendo se achar, mas não ia insistir, não.

e se perfeição existisse, não ia insistir nela: não queria imobilidade. que movessemos todos, fôssemos todos, exatamente como estávamos sendo - o mundo inteiro viu.

quando caiu o cometa, e as estrelas tremeram e as cartas nasceram e o nunca se fez sempre:
foi aí que não quis mais perfeição nenhuma.
porque sabia, sabia simples e preferia assim saber, sem tantas teorias, ah, sabia
sabia que o agora era daqueles pra guardar numa caixinha, sem prender.
o cometa das noites todas, acabado de cair, dizendo ainda outra vez: perfeição, não.

felicidade? já diziam os filmes, se diz soletrada, bem devagar, l-e-t-r-a-p-o-r-l-e-t-r-a.

27.11.06

solo de sax

(ô vida boa)

o sax cantando, eu pensando:
cansei das paralisias
e casei com o blues.




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26.11.06

A procura (parte 1)

percebeu que faltava alguma coisa nas coisas.
Não sabia exatamente o nome a dar,
Que talvez fosse nome o que faltasse.
Faltou-se conceito, começo e meio
E não queria findar-se.
Entre a cruz e a espada, deu ao mundo a face ao dizer
Afinal, que posso dar-me?

Não sabia que dar ao mundo, mas que faltava uma coisa nas coisas,
Faltava.
Meteu-se no meio do mar, do céu, de si, das coisas
Procurando a faltante outra, o que era em si contrasenso
Procurar entre as coisas mesmas a ausência de alguma coisa,
Que bendita coisa seria não tinha idéia nenhuma.

Sem idéias, uma certeza somente:
Aquela da coisa ausente, nalgum lugar escondida
Esperando pelo momento de dizer “sou!”
Ou dizer quem sabe coisa nenhuma, ficar calada
Como ficara o tempo inteiro omitida
Escondida, a danada.

Percebeu que faltava algo quando andava no meio da rua
Nua sem vestido a rua, aquela mesma
Por que passava todos os dias, aquela rua ia ficando
Opaca, cinzenta, pequena
Menor, menorzinha, assim diminuindo o caminho
E ela todo dia pegando atalho:
Hoje, se falho, pego outro.
E assim ia.

Tudo diminuindo, que alguma coisa faltava, mas que diabo era.
Jogou-se dali ao mundo, buscar razão, achar raízes.
Um dia ia ter de voltar, trazer a coisa faltante ao centro da sua rua
Que outrora sem, hoje andaria vestida,
Nada nada escondida, porque ela teria trazido,
Nas mãos recente raízes, a faltante coisinha fugida.



(to be continued, ao som dum trip hop muuuuuuito bom.
reggae jazz trip hop, isso lá é nome de banda? pois ouçam, que... respeite,viu~



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24.11.06

=+++

saído da minha cabecinha bem inha mesmo:
(pra alguém ali =) Outro jazz,
E dissemos um quase. Um quase e um monte de não. Era quase um ato de escrita, sagrado imune, um quase e um monte de não, ela ali e eu nela, sem dizer coisa nenhuma, só olhando.
Olhando porque era quase. Calado, porque era não.
Mas como era que eu ia dizer, quebrando a cena todinha, o silêncio envolvendo o vento, o vento voando as folhas, como era que eu ia dizer, meu Deus, se era só quase e eu não sabia até onde ia quase, quase até onde vai?
Alguém por favor me diga o que quase me quer dizer.
Porque estou a quedar-me louco, à espera de qualquer pouco, qualquer pouquinho que venha do agora, desse instante mesmo, ainda que quase, ainda que não.
E ela segura-me a mão, quase uma tortura. Não, não, tortura alguma, por favor não a deixe ir embora, ainda que seja quase.
E que me importa se quase e um monte de não, se pior seria talvez, e eu ainda tenho o quase. Olha! Estou em vantagem. Não estou?

Vou morrer de amor, seu padre, faça o favor de casar-me logo.
Flores? Oh sim, muitas flores, já dizia ela,

“só vou se tu flores”

É nesse quase que eu quase morro. E nesse monte de não, que começo tudo de novo.

21.11.06

Body and Soul;

Ao primeiro olhar, introduzem-se. Sem arestas, sem obstáculo algum, só o prenúncio ou mesmo a profecia do que viria em breve. Suave o primeiro som, macio e tímido, como a mão que puxa à primeira dança, primeiro tudo, segundo o querer dos dois.
Quando é de dizer “venha”, deixa por fazer-lhe a música, aquela que os embebia inteiros e, ah, de novo ia e vinha. Começava. O senhor maestro atendeu aos pedidos. Será que ela atenderia o seu?
No começo foi o solo, o pedido e o medo, até a décima nota. Seguindo, o saxofonista ajuda a empreitada de tal forma, que ela se derrete, se deixa, se leva, enlevada de todo, que magnífica dança. Os sons se sucedem como que em brincadeira, um ao outro puxando, enquanto ele a puxa pra si, sabendo que tomado por harmonia que não sua.
Quais resvalos de rios, encostas, curvas inúmeras, descrevendo tantos infinitos quanto se possa descrever, a melodia inteira vibrante nos braços, nos passos – neles.
Qual, senhor maestro, não ainda, mais uma vez!
Que solem, cada qual invente de solar várias várias várias, tantas quantas forem necessárias, pra que a noite não acabe, pra que não se pare, vamos, colaborem.

Intercalados os silêncios dos pássaros, os improvisos sensatos, o absurdo do mundo, só pra que dancem. Ao subir e descer de notas, pra que permaneçam, ou ainda que nem se conheçam... ao findar a música, troquem alguma coisa. Não viria ainda outra noite?
Impossível ignorar tudo isto. Como assim que isto?! Não seria assim tão insensível... Mulher mais doida, não aceitava nem uma rosa? E ele que estivera ali toda a noite convencido de que,

“convencido de quê, se pode saber?”
“ora, minha dama, da dança, de nada mais”

Ao começo de outra música, ele insiste, é o Bird, não me negue, já ouviu realmente essa? Dessa vez não espera que a música lhe peça, pede ele mesmo, pega-lhe a mão, ignorando até o silêncio talvez sido não, tem-na pra si.
Aos poucos convencendo-se, pensa que sabendo dela, ou de si, pobre tolo, é a ilusão da música. Preenche-se todo dela, de sons, não da dama, nem ela dele. E, ainda assim, cada vez que recomeça, lança um sorriso, que ela devolve.
Que será que queria dizer, não sabia. Apostava, como ali em todos os dias, todas as noites, todos os ritmos, embora preferisse aquele e só aquele, seu êxtase.
Terminada mais uma vez a jornada longa, de rios, de risos, de tudo e de talvez nada, ele pergunta, insistente,

“Aceita-me agora?”
“a si ou a rosa?”
“o que for de seu agrado...”, sorri pensando-se sedutor, ao que ela, séria, toma entre os dedos a rosa, retirando visivelmente um espinho na ponta da haste.

Percebe que ela pondera por alguns instantes o que fazer. Da rosa, do espinho, dele? Por fim, põe-lhe a rosa de volta nas mãos, vira-se e vai embora. Vai embora ao som do Bird, ainda, impiedosa ou talvez triste, que vai com o espinho, mas nada disse.
Ele, entre uma paixão incipiente e um orgulho de gente grande, apesar dos parcos anos, joga ao chão ao rosa, pensando secretamente naquela música outra, a flor e o espinho, mas que diferença: gosta é de jazz.

20.11.06

Odisséias.

"Fim. Início. Epígrafe, lápide.
Recomeço, recontínuo, restabelecido, revivido, remoído. Retorcido?
Atrevido, acefalia funcional, contraído, conhecido, a concisão.

Lúgubre, opaco, morto, estorvo, turvo, vulgo, vós.
Voz vivificante, ressonante, ativa, fonte,
Renascente, pós-vivente, re-ausente, decrescente, permanente em invasão.

Inverso, imerso na inércia de um vazio, perco-me em contínuas
não-continuações
na vã esperança de não mais me achar.

[As palavras são jazigo, fazei dela o que quiserdes. O que puderdes. Fazei melhor: o que não puderdes.]

Loucura tão impura de inocência já perdida?
Vês tu os versos tão da vida?
Esquece.
Faze os teus.

Caos, linearidade sobressalente, coisas sobrepusentes, pôr-do-sol ausente, [que da visão já não sente senão o mais breve cheiro.

Recomendo que vingues na Antártida perdida, que evites Zeus e não mexa com Perséfone. Não faça nada por Orfeu e, se quiseres, por Prometeu morra.
Ressuscita no outuno e inicia uma nova era de homens. Começa, assim, um soneto novo e não mais te procures em dicionários."



fazer que nem amigo meu, agora xp igualzim, pra ele ver e rir. (sorrir?) hehehe

@ Todos os direitos reservados.
=P
vou ver se juridicamente me divirto com essa historia =} hehehe

18.11.06

Casa da Lívia =)

"tic-tac
tic-tic, tac-tac:
ou como queira "




[leros e leros
traga branco o seu sorriso~]

17.11.06

haicai? quebrou =x

dislexia eu também
(ai! Dislexia nós) :
amém.

body and soul, em crônica :)

O Bandeira me dizia que os corpos se entendem; mas as almas, não. O Bird me diz que corpo e alma são a mesma coisa. E existe uma pessoa, pessoa minha e de dentro, que nega todas essas verdades e afirma todas mentiras, verdade é apenas aquela que ele repete: escreve como quem passa.

Passam também os corpos, passam também as almas? Iguaizinhas às paisagens, imitando os quadros, porque a alma mesma não passa de uma paisagem? Uma passagem. Uma passagem com eternices, mas não eterna. Um corpo com humanices, mas não humano. Ah, as humanices!

Que saudade de quem me disse. E não tinha sido eu mesma? Talvez. Num corpo outro. Alma outra? Mas são só passagens, senhor, paisagens de mim. Vou discordar, Bandeira amigo, por mais que eu seja estandarte: também se entendem as almas. E quando forem de si entendidas, não vai ser preciso nada, nem a literatura. E é justamente aí que ela vai sobrar: quando não for mais precisa.

As imprecisões quase sempre são mais bonitas. Delimitar é entender, mas perder uma parte do sentir, a parte em que o deixa livre. Compreende, senhor? Divago porque só sei assim, correr me estorva. Toda conceituação vai ser prisão do sentir. Toda perfeição vai ser a morte da vida. Pra que querer ser perfeito, se vai ser o final último, sem mais gradação nenhuma? Teremos morrido quando formos perfeitos, e não é um discurso de recalque.

Você acha? Não vou viajar, senhor, vou ouvir minha música. E ficar pensando se são bandeiras, se são asas, se são pessoas isso que eu vejo voando por aí. Mas, por favor, por favor, e por favor outra vez ainda, não me tire a minha música.

16.11.06

Carta nº tantos mil e outros zilhões;

Você viu o céu de ontem? Pergunto-me se foi só da minha janela. A minha janela, ainda assim, era grande o suficiente pra várias pessoas, mas não era festa. Ainda ontem eu lembrei da carta passada, tem tanto tempo, e não importa. Vejo você na beira do rio, como em quase todos os dias, que era onde você ia quando acabava a aula. Consertou a bicicleta? Quando fizermos 15, talvez não haja mais tempo. Ou vamos sempre ter?
Conheci uma pessoa incrível. E não vejo muito problema que tenha uns vinte ou trinta anos mais que eu, se costumo passar lá e ouvir aquele piano. Ela me emprestou uns livros, sabe? Mas não sei se terei tempo de ler. Descobri que gosto muito de piano. Você sempre gostou foi de gaita, não era? Tomara que você ainda toque. Por exemplo, numa noite como a de ontem, teria sido muito, mas muito bonito... Mesmo. E, sabe? Mamãe perguntou por você. Se está bem. Se tem dito algo, ou sei lá. Porque as suas roupas permanecem no armário, os seus brinquedos na estante, e você ainda aqui.
Nas férias você vem? A neve vai cair, quando você vier. Eu juro que não te bato, nem fico provocando ou dizendo as idiotices que sempre... dizia. A mamãe disse que eu cresci. Uns dez centímetros, talvez. Abusei dos vestidos azuis e vermelhos, quem diria. Mas ainda gosto de tranças, embora os meninos me digam criança, que me importa. Sinto sua falta sobretudo quando me perguntam de você, o que não quer dizer que não te lembre sempre, enfim, é só que o tempo às vezes muda de cor.
E fica cinza, sabe, o tempo.
A vida não é triste, não. Eu só queria era ter uma máquina, escrever datilografando, tão feia a minha letra. Sabe aquela mecha de cabelo, sua antiga, do tempo da vovó? Mamãe guarda. Teu cabelo louro e pouco, mas ela não chora mais. Acho que já entendeu que você cresceu também, e talvez mais que meus dez centímetros.
O mundo aí grita muito? A cidade crescendo é meio assustador. Os terrenos baldios que tinha aqui em volta, não tem mais, só prédios bem grandes, quase todos cinza, e pior quando têm aqueles azulejos ridículos, e a gente nem mora perto do mar. Ontem eu ganhei um troféu, não entendi bem por quê, mas fiquei feliz. Quero dizer, vim correndo mostrar em casa, mas acho que eles andam premiando qualquer coisa na minha sala, pra ver se ninguém põe mais pó de giz nos ventiladores. E não, dessa vez eu juro que não fui eu, mas foi mais engraçado que o de costume, você devia ter visto.
Acho que é primavera, e ontem eu quis mais música. O que será que você quer que eu conte, não sei. As professoras dizem que vou melhorando, mas também não sei até que ponto são sinceras, é difícil confiar em alguém quando muito maior ou menor que você. Aliás, em todo mundo. Eu confiava em você, acho, mesmo quando brigávamos.
Tem jazz por aí? Achei tão engraçado. Quando fui conhecer (nos últimos meses), me disseram que já era superado, chegou o rock. E te pergunto por que não pode ser os dois. Eu ouço os dois. E tomara que sua cidade não seja pequena o bastante pra não terem chegado ainda, ambos. Tão divertido, toda a música devia ser assim. Ah, estou cansando, você já não tem muita coisa pra ler?
Faça o favor de responder, mamãe pede notícias e não sei até quando terei vontade de mentir. Entendeu? Você pode até ser mais velho, mas quem ainda cuidando de tudo por aqui, acho mesmo, sou eu. Vamos, não seja tão ruim.
Pegue a gaita e toque outra vez, apareça, sim? Não nos esqueça, lembre todos os dias.

Sempre suas,
mamãe e eu.

15.11.06

[Prefácio]

Denuncio-me a mim mesma.
Sem verdades ou mentiras, cada frase e cada vírgula
De silêncio ou de meus gritos,
Minhas faces, minhas facas
Talvez por isso eu escreva.

Calo-me, a mim mesma.
A cada instante de ausência
Ilusões de onisciência
Espasmos de tanto encanto
Paixões nessas esquinas: eu, menina.

Eu, mulher.
Dançando, comigo; com eles.
Versejando, conversando, sem dizer
A gente bebe na mesa, a gente planta cervejas
E colhe livros pro amanhã.

Duvidei, por uns segundos, da não-necessidade de falar
Pra só no outro instante, ao cair dos dias e
(de novo) levantar das noites:
perceber que o muito que a mim me tenho
é do tanto que me converso.
E verso, inverso, reverso, transverso:
Converso.

Quando não souber me dizer, ficarei num canto bem canto
Cantando talvez calada, um Dylan, um Jack, uma das tantas
Não sei se vou ainda saber ser criança
Ou conversar como antes fazia.
Se me denuncio, se me falo, se me faço, se não nada.
E ainda acho que é nesse saber, ou nesse não estar sabendo,
Que me resguardo de toda mentira,
Que me disfarço de toda verdade.

14.11.06

bruno, me ajuda xp

(2ou3anos) - de um milhão de tentares,

bola azul
rolando
agora, mamãe!

aaaanda, brincar
correr
não-não, comer depois, depois
correr, bola agora mamãe...

quer não, não quer
quer a bola, agora
azul, branca não

bateu sim, mamãe! bateu!

minha bola, quer brincar agora
ele não: eu
minha bola

ai, mamãe, comer depois
depois a escola,
agora é a bola.

embora, mamãe."

13.11.06

nenhum aquário é maior do que o mar.

(lenine says,
uma certa prima da Jamile andou dizendo,

e às vezes ao morrer de raiva do estúpido do mundo
do repetido do mundo
repito a mesma coisa,
de novo, estupidamente.


12.11.06

um pré-pós-tudo-bossa-band de novo,

(tentativa)

a felicidade, que era minha,
nada clandestina, sem se saber:
tomando conta do que tinha e o que não tinha
preenchendo o de vazio e o de cheio
todos os dias caminhada do meu verbo
verbo alquebrado como os passos
quebrados passos de outrora,
que me quebraste a perna,
deixando-me memória.

e a felicidade de intermédio
sem conforto sem remédio
tempo todo sendo fato
ainda quando ausente
quando o tempo inteiro mentes
e ainda assim permanecendo
permanecido sigo
não é nada: só que gosto de vestidos,

visto-me toda inteira,
recoberta de duas músicas,
a do começo a do fim
amo o começo e o começo,
me ama a mim?
duas vezes amante,
duas vezes eu mesmo?
duas vezes começo:

os muros altos da cidade
fortaleza em nome e eco
ecoa, fortaleza, seja seja
prisão de mim
livre de mim
sou livre à praia, livre ao centro
livre ao vento, com meu vestido:

azul de tempo. e a felicidade, livre ainda?,
se enche de mim antes d´eu dela.
dedos contando quantos, quantos silêncios ainda faltam
pra cidade, de tão forte, permitir-me que me saia
voltando todos os dias,
com ou sem vestidos íntimos.


porque não posso ter encantos nas esquinas
se permaneço nas paredes de mim mesma;

9.11.06

ao som de "the build-up" (mil vezes Kings of convenience~)

A música invade o tanto exato que se deixa no segundo em que se abre aquela porta.
E se não se abre a porta ela vai entrar por todas as janelas, escorrendo, se dizendo, quebrando todas as métricas, se fazendo mais do silêncio que do dito, ficando o não-dito pelo dito, o quebrado pelo inteiro, o começo pelo meio – naquele verso.
O ritmo arquejante das palavras, uma a uma, gota a gota, faces da mesma roupa, lados do mesmo encanto, outro e outro tanto, aos versos quebrados vento, quebrados tempo, quebrados sendo, um a um, tantos, tantos.
Santos os versos. Dizendo mais do que ousavam dizer todas as seitas, os livros, os discos, a música que vai transbordante à voz nauseante de todo intérprete, o intérprete não era eu?
E vai deslizando os ouvidos, acariciando os espantos, deixando pasmas arestas, o sentido ecoando cada uma, por cada uma das frestas. A casa se iluminando, a porta se entreabrindo, e a música vindo, como água de represa, preencher o impreenchível.

Não pára nem pra dizer bom dia. Pra abrir a porta do elevador. Pra consolar dores de perda, de morte, de amor, mesmo quando são todas uma e a mesma coisa. Não sabe se chama prosa ou poesia, não se importa, não se liga: que lhe diga! Que se lhe diga o que vier, a Música, tão tanto mulher, olha a tudo sem incômodo.
Entra sem cerimônia.

Passo após passo. O vestido volteando às vezes pelas esquinas, o movimento, o verso repetindo, em cabeça entrando, decorando, sem querer.
Vai vindo, voltando, requebrando, arquejando na voz que seja, bonita. De preferência bonita, não escapa às esteticidades, a música.
Penetra.

Delírio em verso e tempo.
A toda e qualquer incoerência vamos agradecer, por não estarmos a ser pedras, e cantar ainda outra vez:
quer seja ontem, quer seja hoje. E amanhã, talvez.

7.11.06

pra Lívia :)

[E vivera de vazios. Fizera-se repleta de ilusões, sonhos e lugares. Buscara sensações entre seus medos, devaneios. Lutara por sombras, caíra por falsas flores. Doera de amores e da falta deles, sangrara tanto por tentar, que agora morria respirando] > isso é por decidir.

Disseram-lhe para seguir. Tentaram manobrá-la. Cansara de ser tola, cansara de ser nada. Cansara do seu Tudo, e até da madrugada. Desistira de todos e de si, era só uma louca a vagar. Vagar por suas músicas. Por seus versos. Por seu sangue.
O parque da cidade não tem de dizer muita coisa. As pessoas do mundo não têm que dizer muita coisa. Talvez nem ela tenha de dizer coisa alguma, mas tantas vezes se sentira na obrigação de fazê-lo, que virara hábito.
Andar por aquelas ruas e não ver nada, atravessar aquele barulho e não ouvir nada, esbarrar nas pessoas e não sentir nada: habituara-se a “tudo” isso. Já entendera que quase ninguém se vira quando você está realmente sozinho e nada tem a oferecer. Quem iria ajudar sem que houvesse algo em troca?
E ninguém pense que ela não viveu. Que não sentiu. Que não sorriu ou nunca teve. Teve e talvez até ainda tenha. Não é fria, é quase justamente o contrário. Sente, sim. Chorou, sorriu, teve, caiu. Viveu, vive. Freqüentemente ainda chora. E sorri todos os dias. Muitas coisas fazem isso. Sorriso de felicidade? Não exatamente.
E ainda não consegue parar de procurar as pessoas, mesmo que saiba que elas irão embora. Mas todos não começam a ir embora no instante em que se conhecem?
O trajeto do parque, apesar de não ser sempre o mesmo, é uma idéia estática. Acostumou-se a pensar naquilo como algo funcional: passeia com o cachorro, faz uma caminhada breve, breve o bastante pra não se cansar e longa o bastante pra espantar os maus pensares.
No dia anterior, tinham-lhe dito que bastava. Que bastava de dor, que ele se bastava, que ela se bastaria. Você vai seguir, meu amor, vai conseguir, e, apesar de tudo, estarei sempre a seu lado, sempre, ouviu? Sempre. Palavras engraçadas as dele, claro, claro que ele realmente pensava que ela acreditaria. Claro! Tão bom ele, devia mesmo ser bom o suficiente pra pular o mar, ir além do barco e aquém do mar, grande amar que era esse.
Sente as pálpebras caindo, mas não em lágrimas, sente só o peso das pálpebras, melhor seria dizer sente o peso do piscar, como se as imagens pesassem. Muda uma, duas, três vezes de imagem, as cores mudaram, apesar de serem as mesmas. Nada daquele clichê dos filmes e oh meu Deus, tudo mudou, é muito simples, até. Tratou apenas de sentir as cores. Um turbilhão de emoções, uma sobre a outra, tom e sobretom.

Divaga, devagar e depois correndo. Corre até sem entender. Por que é mesmo que começou o passo rápido? Demora a perceber e ri quando vê que é porque Dodger conseguira soltar a coleira e ia a pulos muitos na direção da fonte. Olha o relógio e vê que perdeu as horas. Ou teria achado? Bobagem.

Luna e seu fiel cão atravessam ruas. E ela? Ela atravessa a si mesma.

5.11.06

o grito.

O violino não toca sozinho. E, na sala, permanece intocado no armário, enquanto espera nada distraído o desenlace das cordas.
Está tenso, apesar de inerte; está sujo, muito embora tivesse o som limpo como poucos. E ali continua onde a menina o havia deixado, tanto tempo tinha que já andava mulher. Antes a menina e o violino; hoje a Izabel e o sozinho, a Izabel e o mocinho, mas ele, ele próprio já não lhe figurava entre os amigos. Permanecido, esquecido qual lembrança antiiiga, remota, talvez morta, até, e Izabel entra e sai da sua casa. Entre saias e vestidos, esquecera o seu amigo.
Ele, enquanto isso, relembra canções calado, colado à parede do armário, torcendo pelo dia em que ela o abra e ele lhe caia aos braços. Ele precisa falar, está preso de tantas frases no corpo, gritantes, quase ousa mesmo gritar. Não grita não porque não pode, mas por medo de a acordar.
Ela dorme.
Ele foge do silêncio torturante... Ela nem nota.
Até que, um dia, o sobrinho da Izabel-mulher brincando pela casa resolve abrir o armário. Tão extasiado o violino, salta aos braços sem saber de quem. O menino, assustado, corre de pronto.
E o violino, ao cair, quebrar-se as montes, ouve mal a mal o grito da outrora-menina, ouve mal porque se concentra, feliz, no canto que tanto queria.


cantou o seu som inteiro, no baque do chão
e desenlaçar das cordas.

2.11.06

Instante.

(tocando Love Ridden)


Era pouco mais que muito cedo, o sol ainda baixo e o mar bem calmo, quando ela acordou e viu, no canto esquerdo do espelho, o bilhete de todos os dias. Ele, sempre ao sair, deixava qualquer coisa de palavra ou de saudade num dos cantos do quarto. Ela, levantando, passava sempre uns tantos minutos procurando, entre divertida e curiosa, por mais que passasse o tempo. E passava.
O bilhete de hoje dizia, simples, “encontre encantos nas esquinas”. Pois agora dera a ser poeta, e ela ria. Dobrava os lençóis pra descobrir entre eles uns vestígios de palavras, uns pedaços de silêncios, arrumava a cama e depois se jogava. Fez um suco, tomou na varanda, leu uns livros de anteontem e esperou que o vento voltasse e, com ele, o seu encanto das esquinas, com o qual se encontrava todos os dias, bem na porta de casa.

Fiona Apple.

[poema nascido há poucos minutos, ainda na tentativa 1ª respiratória,
um agradecimento pelo imenso substrato ao Bruno, meu querido bolinho de arroz =]



"Preencheu-me o quanto pôde.
Depois se foi, absurda,
Aquela música.


Aquela música que não vai te contar
Dos meus degraus escondidos,
Quando vieres, saiba conta-los
E vou perguntar:
“sabes a senha?”
e, faça o favor:
saiba. "

31.10.06

Das mais cartas;

"A,

Você não entende e não está ouvindo nada, está só se vendo nesse espelho idiota. Falando dos dias que não são, jogando as culpas pra mim e a maquiagem na bolsa, reclamando do tempo e do espaço, riscando os olhos e a boca, quando será que vai me ver? Esperar eternamente que eu resolva sua vida e seus problemas, amor, não vai dar. Qual é mesmo o seu nome? Você nem sabe mais. Me pergunta todas as noites e esquece que o faz, troca de roupa e finge mudar, pelo amor dos deuses, SEJA. Não quer me ver, ótimo, mas seja. É degradante esse sorriso cínico e, entenda, não é só a mim que destrói.

Cansei dessas máscaras eternas, de piadas internas, de frios irresolutos, de brincadeiras estúpidas, de fingir e de novo fingir. Você ainda é A.?

Entre nadas e nadas, você constrói uma nova vida velha, repare só no seu ridículo, e, dentre todos os ridículos, o único que não entendo é, ainda assim, amar você. Será que me fiz hábito? Ou é só falta de mim? Quanto mais você abre essas portas, mas eu penso em ir mesmo, como é que você vai lidar com a solidão sozinha? Não me preocupo mais, mas, sim, repare, está se manchando ali na direita.

Ajeite os brincos e vá dançar, A., há alguém esperando. E, quer saber, posso até apostar que é você na próxima porta. Boa sorte e não me volte: mas me chame. A droga inteira da vida é justamente essa, querer que você me ame. Caminhos opostos, pois muito bem, falei sério, embora eu chore, não implore, ainda que em silêncio... Vá dançar, A. Cuidado com os saltos, eles quebram. "

28.10.06



só porque essa foto é fooooooda demais da conta e eu disse e ele, de volta, "é sua" xp

e junto um poema (e o contexto?!) ao Bob Dylan:

"Bob Dylan não sabia que,
naquele dia,
ia cantar pra mim até nascer um verso.

E cantou,
cantou tudinho,
pegou a gaita e fez-me a vida:
Nascida pra todos os dias.

E, vale dizer, by Bob Dylan."

pra descontrair, vão a mais calouradas na UFC =P e recitem poemas. (interna)

26.10.06

Agradecendo, em oração:

e já dizia Clarice:
"eu consisto eu consisto amém"




(de um dia importante, por dois motivos. vou às cartas, não me esqueço, e agradeço de novo:
embora haja quem diga sacrilégio.
viver é pouco pra você?
então reaprenda.)

teus segredos.

não sei quem tinha vindo falar sobre a força. e forte, forte, forte. quem é que era forte mesmo? era o vento, babe. o vento que varreu até as janelas, os papéis, as músicas.
deu cinco da manhã e o sol, nada. mas eu prefiro a luz da noite, tem brilho (de outrem, mas brilho).
todos os segredos vão guardados numa caixa, e faço que nem fernanda,
"tu sabe a senha?"
"hum.. não."
"tu sabe a senha?"
"era pra eu saber?"
"tu sabe a senha?"
(e nada deu entrar na casa. pra dp ela me dizer qual a senha. e nao, nao vou contar pra vcs xp hehehe)

todos os segredos não são escondidos, são cobertos de encantos.
e ache os encantos nas esquinas.

haicai (exercícios)

ó as brincadeiras :P

"cantiga em verso e tempo
minha corda e viola
e então rememora - sozinha"

"prédio muito e fala pouca
um desastre de alma muda
se nada muda: eu me fico"
"outro buquê de rosas
vermelhas?
teimosas."
"e em meio à cerca-viva
(observo)
tanta gente morta"
"noites ao cair de homens
esquecidos (os) nomes,
ficam rostos"

25.10.06

Quem não (ou Da desordem)

Procurava a música mais certa ao trabalho. Sim, porque o trabalho era árduo. Nada de ordenar a casa, limpar o pó, jogar os papéis, não. Hoje era tirar os sapatos, tocar pra frente a poeira, abrir as gavetas, os copos no chão. Um homem repleto ele era. Tão completo, que não precisava completar-se, pôr-se em ordem, provaria.
Ao desarrumar os lençóis, desalinhar o sofá, tirar o violão do armário, ele não pensava. Mas o narrador assiste e, sem querer narrar, auxilia nos trabalhos: bagunça-lhe as vírgulas e ele nem sabe - já deixou de pontuar-se.
"Minha grande grande grande obsessão", terá pensado, terá chorado, terá sentido, terá, talvez, dito ao mundo todo? O apartamento não é grande, em pouco tempo percorrerá todo o espaço e até o não, virando-se sempre pra descobrir o que falta.
Deu voltas inteiras, abriu a garrafa, destorceu as torneiras; e, bem logo, vazia a garrafa e cheio d´água em casa. Sentou-se ao chão, meditando não calmamente sobre cada uma das possibilidades. Quanto às cartas, sim!, seria melhor colocá-las à mesa demonstrando que sequer precisara escondê-las pra esquecer ou pôr a caixa antiga perto do lixo, simbolizando o lixo imenso que era agora? Impacientou-se, queria lá saber de cartas, morressem sozinhas. E levantou pra continuar.
Os retratos, deixou intactos só os cheios de poeira - melhor assim. Do resto, já bêbado, nem lembra o que fez (amanhã, sabemos: arrependimento). Deu-lhe, de repente, uma imensa vontade de rir, mas de que rir?
Morreu de raiva por não ter comprado um apartamento maior e, como o tempo não passasse, resolveu-se a limpar tudo e depois recomeçar melhor ainda. E fez. Um a um, cada espaço foi re-escrito, limpo e sujo, obstinação doentia, esqueceu-se de comer e de dormir.
Não percebeu que não mudara os discos, repetira o mesmo infinitas vezes; tantas, que o vizinho tinha vindo reclamar. A febre que lhe tinha, no entanto, não deixou que ele ouvisse a campainha, um grande erro. E se fosse ela? Por certo não viria duas vezes.
Ele, o autômato, acendeu e apagou luzes, cantou seus versos preferidos e já nem lembrava mesmo o motivo daquilo tudo. É que tinha tanto, tanto tempo, e por que diabo a casa toda bagunçada? A Norma esqueceu de vir de novo? E depois reclama aumento. Que loucura, que sono e que vontade de,
Toca a campainha. Ele pensa três ou quatro vezes, afinal quem seria aquela hora? Volta a súbita vontade de rir; nem entende, mas abre.
Um desespero seco e ri aquilo tudo que queria: era ela. E agora veria, na desordem dele inteiro, que não sentia, não sentia falta alguma.

24.10.06

poema I - um começo sem tantos princípios.

aí nós lá vamos. =)
em homenagem ao Alan, o mais premente pressionador pro blog sair, finalmente:


"o cheiro de chuva na terra
anulado
pelo cheiro de nada no asfalto"



um começo, é. e muita chuva, dos poemas intermináveis~

ps: querido Ary, seria isso uma alusão aos teus projetos ou passo muito longe? isso soou uma carta xp