10.12.06

outro jazz,

22 de setembro de 2006


Ouço passos e espero tanto, tanto, tanto seja ele. Mesmo que todos os dias não mais seja, talvez seja tudo mentira. Até pareço sentir o tremer das escadas, a batida da chave no armário, ele vindo assobiando a música última que ouvira na rua, como a dizer vou chegando, babe, esquente a cama, que ando com frio, com muito frio hoje à noite.
Ele diria sentir-se sozinho, ainda que não, ele não diria nada, iria escolher os vinis, sempre clássico, apesar das evoluções. Ele evoluía todos os dias pra algum ponto que eu nem sabia onde, era um jazz que me caía entre os dedos, e eu só permanecia porque já não ousava viver além de si, um ritmo que acabava sendo meu. Acabava sendo eu, entende? Eu juro que é o som dele correndo os dedos pelo corrimão, assim devagar, prenunciando, me angustiando, fazendo com que eu espere, ele adora o clímax.
Ele devia ter sido escritor. Devia ter aprendido aquilo que quis, ele merecia, mas não tinha o empenho de ir, precisava pressão. Aliás, ele precisava não ter ido embora. Mas ele não foi, não é mesmo? Está subindo as escadas. Guardando o casaco nalgum lugar (ou, antes, pra minha raiva, jogando no primeiro canto que vir). Sabe que acho que ele vai fazer isso pra sempre?
Nós brigamos, bem verdade, mas sempre brigamos, eu até diria fazer parte, se não achasse tudo isso desnecessário, o falar inteiro. Não já vai tudo dito? E, quando não digo, não vai expresso no ar, nas coisas, no cheiro dos aindas, na permanência dos sempres?, é tudo tão simples. Talvez você não acredite, mas é ele que vem vindo. E você não tem medo nenhum porque você é o meu querido diário, e não zombe de mim porque já sou velha.

(Babe, won´t you please come home? )

Eu juraria que ele acabou de cantar o primeiro verso, quando todo mundo diz termos recitado o último. Mas do que sabe o mundo, hum? O que eu sei do mundo é que ele esqueceu o próprio nome no mês passado, enquanto eu tirei umas férias de mim, apesar de se poder ver aqui pretensão. E eu lá ligo. O fato é que – fui só eu que ouvi? Babe won´t you please come home?, ele disse, ele disse, e eu vou agora descer as escadas, escadas que ele está subindo, veremo-nos nos degraus primeiros (ou últimos, pra quem desce), e vai ser assim bem simples, vou provar minha verdade antes que acabe a música.




23 de setembro de 2006.


Minha felicidade e certeza estão em dizer que o mundo todo vai errado, exatamente quando eu acordo e ele me canta, desafinado mas meu, e afinal quem estava certa era eu, ao descer as escadas. Estava lá, ele estava bem lá, e na boca, embora calado, a expectativa de dize-lo e disse mesmo, ao me ver, baixinho assim,
babe won´t you please come home?

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2 comentários:

Gaby Zaupa disse...

Ahh, nossa. Fazia tempo que não lia um texto assim, tão bonitinho! *.*~
Sério, achei a coisa mais linda. Bem sinestésico. Consegui sentir a alegria do "eu-lírico" ao vê-lo na escada. hehehe
Lindo mesmo mesmo.
Sei nem o que falar mais, adorei e só. Num vou citar nenhum trecho pq fazer isso tiraria o apreço sentido pelos outros mais.
:)

Anônimo disse...

Usando uma palavra, sensibilidade.
Usando duas, sensibilidade e delicadeza.