11.12.06

A casa.

.

Sangue escorrendo tempo. Preto, vermelho e vento, aquela casa era o próprio cheiro do antigo. De muito tempo antes do tempo, quando ainda era repleta, quando muitos nela moravam, e ainda não era assim tão escura.
Diziam que a escuridão tinha sido um presente que o próprio tempo havia tecido pra construção perdida . Esquecida no fim do quarteirão, por onde todos passavam evitando olhar de esguelha, mudando quiçá de calçada, apenas pra evitar. O preto e o vermelho repetido, escondidos nalgum canto, como que pra afastar qualquer visitante..
E, no entanto, nenhum visitante ousaria. O pretume vinha do escuro; o vermelho, das folhas caídas. Era sempre outono aquela casa, as folhas nunca ficavam.
Chamavam-na Viúva Negra, e nem podia ser o contrário. A casa encerrava em si uma porção de estórias, famílias diversas, viajantes intrusos, beberrões. Tanta gente antes, e agora nenhuma sombra. Ou talvez fossem sempre sombras.
O que agora se dizia, porém, é que vinha gente nova morar na casa. Ninguém acreditava, pois tinha bem década que alma nenhuma, viva ou morta, pisava naquele chão de folhas vermelhas. Pelo menos não que tivessem visto. E por tanto não terem visto, deu-se por isso mesmo: a casa era não-só inabitada, como por certo inabitável.
Quem tinha espalhado o boato, ninguém sabia. Só crescia o murmúrio de que, passados uns dias, apareceriam os infelizes. Estavam certos de que seriam infelizes. Mas talvez reformassem o mausoléu, devia ser um mausoléu cheio de ossos perdidos ,aquela casa. Talvez o pretume vermelho fosse embora, com nova gente. O bairro inteiro esperava, entre ansioso e indiferente, uma indiferença tão fingida quanto mórbida.
Passada a semana tensa, conforme a predição dos antigos e a crença dos mais novos, desceu na rua um caminhão de transportadora. Desceram ainda os móveis, os quadros velhos, grandiosos utensílios de madeira que ninguém entendeu pra quê. Observavam, cada qual de suas janelas, os homens fortes levarem tudo, silenciosos sempre, pela porta da frente. Depositaram a carga inteira, fecharam os portões todos e foram, caminho inverso, pela mesma rua em que desceram.
Os moradores do bairro, declaradamente intrigados com o fato de que tudo que saiu do caminhão de mudança (mas mudança de quem?) era incrivelmente velho, talvez tão velho quanto a casa. Esperaram, mais ansiosos ainda, os novos vizinhos que viriam, tinham de vir. Grosseria imensa essa de se fazer anunciar e deixar o povo esperando. Pois assim não fora? Até agora não se sabia quem tinha anunciado a chegada.
Fato é que mais naturalmente quanto antes correram os dias, apesar da espera toda. Falava-se disso ,calava daquilo, o assunto inteiro era a morbidez da casa, os móveis antigos, o pretume repetido, se acaso não cessaria. A estranhice das pessoas de hoje, por que não se mudavam logo, pra que tamanha tensão.
E assim foi um mês, dois, até três. Até que, tão misteriosamente quanto a notícia de que o casarão seria habitado, chegou então a outra, de que não haveria vizinho algum.
O povo todo ficou calado. Convencido de que era tudo boato, desde o começo. Só não sabiam quem pedira a mudança. Conviveram então com a nova crença de que, no fim, nada mudava mesmo. E voltaram a, calados que nem antes, conviver com aquelas sombras.

.

4 comentários:

Anônimo disse...

O abandono vira mágica. Pense nisso.

Marília Passos disse...

esse aqui inda vai crescer =)

Gaby Zaupa disse...

ahh, ótimo texto!
vc soube conduzir a curiosidade durante a leitura e também soube deixar uma boa dúvida no ar. tá digna de pedro "sangueiro" já. hehehehe
adorei!

Anônimo disse...

Bonjour, impreciosismos.blogspot.com!
[url=http://cialisanta.pun.pl/ ]Acheter cialis en ligne[/url] [url=http://viagrapeck.pun.pl/ ]Acheter viagra [/url] [url=http://cialisycin.pun.pl/ ]Acheter cialis en ligne[/url] [url=http://viagrappro.pun.pl/ ]Achat viagra online[/url] [url=http://cialistyli.pun.pl/ ]Achat cialis en ligne[/url] [url=http://viagrantor.pun.pl/ ]Acheter du viagra online[/url]