13.5.07

Insônia.

Percebeu que estava sentado na mesa, mas não era isso o que queria. Queria talvez ir embora, esquecer-se dos gritos em volta, apagar os choros calados.

Queria talvez estar ébrio, ébrio e bem longe. Sem a raiva das injúrias ouvidas, sem o desejo de não-ser. Mas não era tão simples. Viver não era tão simples. Infelizmente, ele sabia. Sabia, decerto, de coisas demais e pessoas de menos. Ou seria o contrário? Ébrio, ébrio e bem longe.
O ruído baixo do vento a sussurrar na janela irritava-o, tanto quanto as conversas estapafúrdias na sala. Tudo parecendo irreal, sem que soubesse explicar. No fim, podia ser apenas real o suficiente pra sufocar bons julgamentos.
E é claro que a realidade aplaca os sentidos e obstrui um tanto a razão. Ainda que pensamentos sensatos não se devam de todo à abstração, dificilmente nasceriam em uma calçada movimentada repleta de rostos sem dono e de buzinas. Os grandes filósofos deviam (devem?) ser aqueles que, mesmo na realidade, guardavam para si os sentidos e a própria sensatez.
Sensatez no abstrato. Pensava nisso de vez em quando, mas os burburinhos do tudo e do nada acabavam-lhe com a paciência. Um contrasenso, era isso o que tudo era.
Curioso era que hoje tivesse compromissos. Sim, tinha. No entanto, sem fixos horários, deitara-se e lera um seu mestre. O acaso - do ocaso - não deixara que avançasse as páginas. Relutou, resignou, rabiscou.
Restrito e rendido, calou-se ao escrever. E o tempo, esse passava só. Ficava ele, ficavam nós. Queria apenas estar bem longe, sem mais saber seu nome e sem ter hora pra voltar. Podia? Sabia lá, talvez um dia tentasse.
Escrevia como quem passa, como insistia o Pessoa, e, logo em seguida, já era o que fica. Ficava onde - é que ele não sabia. Os gritos ainda ecoavam, apesar de todos já idos longe, gritos&gritos, uma estupidez, sempre pensou, por que não podiam resolver as mediocridades com olhares? Quiçá desenhos. Inventassem um modo qualquer, contanto que outro, algum que não o deixasse louco, que não o trancasse no quarto, esse cessar de mundo. Terá o mundo cessado? Ou foi apenas um calar momentâneo?
As paredes são como ele. Às vezes as paredes o comem. Verdade maior, no entanto, é dizer que ele é que come: come as paredes, o tempo, os livros e até a si, autofágico, verborrágico, mas sobretudo sozinho. Devia ter um sobretudo. Pra quê?! Pra morrer de calor mais ainda. Pensa consigo, rindo um horror, que até as ironias são amarelas. Acha que o amarelo o persegue e desiste de pensar nisso, dá um terror de dentro, e chega, chega tudo, passa por eternos oscilares. Quente, suor muito. “Mamãe dizia que era o calor”.
Transpira-se muito nessa ilha. Mas não era floresta? Já não sabe onde mora. Não sabe. E lá se vão longos minutos de silêncio interno, um desejo imenso de sair daquilo que nem sabe nomear, e uma inércia talvez maior de sequer mover-se. Pra que mover-se, se talvez os gritos voltem?
Achava que se perdia e parava ao continuar. Que tudo à sua volta acabava por diluí-lo, mas era hora. Hora de não saber. Hora de se arrumar, hora de ir embora.
Talvez fosse mesmo apenas mais um. Talvez isso sequer importasse. O tempo, esse sim, sempre passava. Não devia ele, tão bobo em seus papéis, parar? Parar pra onde, parar pra quê? Tolice, devia deixar de ser tolo.
O relógio bate. Que horas?! “Tantas...” Havia de ser mais forte, conciso e espontâneo. Duvidavam? Veriam. O dia hoje será bom, diz consigo, será bom e eu serei eu mesmo.
Talvez seja hoje a coroação. “Eu, rei de mim?” Engraçado.

5 comentários:

diovvani mendonça disse...

Às vezes chega mesmo a "hora de se arrumar" e ir embora. Partir, dilata horizontes.
AbraçoDasMinasGerais.

Marcelo Mesquita disse...

vc escreve maravilhosamente bem.

Leandro Jardim disse...

Gostei! :D

Ah, e muito obrigado pelos tão queridos comentários!

Uma delícia compartilharmos tudo isso!

beiJardins

Gaby Zaupa disse...

Realmente, "se arrumar e ir embora" é a melhor solução certas vezes. Mas não posso confirmar, tenho vício em fugas internas. :}
Gosto das reflexões intimistas e daqueles que se indagam sobre a tão chamada e consumada ordem lá de fora, por quê diabos teria mesmo que ser tudo daquele jeito, sempre? A ironia amarela e os desenhos, também, muito bom. :)
Menina, escreverás um livro, sim?
Até. :*

Anônimo disse...

o que dizer?

lindo!

=*