Ao primeiro olhar, introduzem-se. Sem arestas, sem obstáculo algum, só o prenúncio ou mesmo a profecia do que viria em breve. Suave o primeiro som, macio e tímido, como a mão que puxa à primeira dança, primeiro tudo, segundo o querer dos dois.
Quando é de dizer “venha”, deixa por fazer-lhe a música, aquela que os embebia inteiros e, ah, de novo ia e vinha. Começava. O senhor maestro atendeu aos pedidos. Será que ela atenderia o seu?
No começo foi o solo, o pedido e o medo, até a décima nota. Seguindo, o saxofonista ajuda a empreitada de tal forma, que ela se derrete, se deixa, se leva, enlevada de todo, que magnífica dança. Os sons se sucedem como que em brincadeira, um ao outro puxando, enquanto ele a puxa pra si, sabendo que tomado por harmonia que não sua.
Quais resvalos de rios, encostas, curvas inúmeras, descrevendo tantos infinitos quanto se possa descrever, a melodia inteira vibrante nos braços, nos passos – neles.
Qual, senhor maestro, não ainda, mais uma vez!
Que solem, cada qual invente de solar várias várias várias, tantas quantas forem necessárias, pra que a noite não acabe, pra que não se pare, vamos, colaborem.
Intercalados os silêncios dos pássaros, os improvisos sensatos, o absurdo do mundo, só pra que dancem. Ao subir e descer de notas, pra que permaneçam, ou ainda que nem se conheçam... ao findar a música, troquem alguma coisa. Não viria ainda outra noite?
Impossível ignorar tudo isto. Como assim que isto?! Não seria assim tão insensível... Mulher mais doida, não aceitava nem uma rosa? E ele que estivera ali toda a noite convencido de que,
“convencido de quê, se pode saber?”
“ora, minha dama, da dança, de nada mais”
Ao começo de outra música, ele insiste, é o Bird, não me negue, já ouviu realmente essa? Dessa vez não espera que a música lhe peça, pede ele mesmo, pega-lhe a mão, ignorando até o silêncio talvez sido não, tem-na pra si.
Aos poucos convencendo-se, pensa que sabendo dela, ou de si, pobre tolo, é a ilusão da música. Preenche-se todo dela, de sons, não da dama, nem ela dele. E, ainda assim, cada vez que recomeça, lança um sorriso, que ela devolve.
Que será que queria dizer, não sabia. Apostava, como ali em todos os dias, todas as noites, todos os ritmos, embora preferisse aquele e só aquele, seu êxtase.
Terminada mais uma vez a jornada longa, de rios, de risos, de tudo e de talvez nada, ele pergunta, insistente,
“Aceita-me agora?”
“a si ou a rosa?”
“o que for de seu agrado...”, sorri pensando-se sedutor, ao que ela, séria, toma entre os dedos a rosa, retirando visivelmente um espinho na ponta da haste.
Percebe que ela pondera por alguns instantes o que fazer. Da rosa, do espinho, dele? Por fim, põe-lhe a rosa de volta nas mãos, vira-se e vai embora. Vai embora ao som do Bird, ainda, impiedosa ou talvez triste, que vai com o espinho, mas nada disse.
Ele, entre uma paixão incipiente e um orgulho de gente grande, apesar dos parcos anos, joga ao chão ao rosa, pensando secretamente naquela música outra, a flor e o espinho, mas que diferença: gosta é de jazz.
21.11.06
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5 comentários:
ela, pelo visto, prefere blues.
ela, pelo visto, prefere blues.
oi,
gostei do blog,
dá uma passada no meu: www.portrasdacortina.blogspot.com
Abraços
é a musica eh realmente boa
e seus derivados adoraveis :)
ei,
nao quero parar de sonhar =*
ainda não ouvi a música, mas acredito tão adorável quanto o texto. é impossível não citar: "No começo foi o solo, o pedido e o medo, até a décima nota" - uma imagem linda que conseguiu fundir os temas do conto com maestria. e o final é deslumbrante na intertextualidade com a flor e o espinho, que eu gosto muito, mas parece que ele não, né? hehehe enfim, você conseguiu fazer de uma história aparentemente banal, um jazz delicioso! =***
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